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Bastonário: Entrada na advocacia é um “labirinto com sinalética”

O acesso à profissão de advogado exige mais do que um curso superior de Direito, muita vontade de trabalhar e sabedoria. A generalidade dos alunos que enchem os auditórios para um dia atuarem como mediadores na justiça tem consciência disso, pode é não ter noção de que a luta é semelhante à do Minotauro da […]
  • Cristina Bernardo
14 Abril 2017, 14h30

O acesso à profissão de advogado exige mais do que um curso superior de Direito, muita vontade de trabalhar e sabedoria. A generalidade dos alunos que enchem os auditórios para um dia atuarem como mediadores na justiça tem consciência disso, pode é não ter noção de que a luta é semelhante à do Minotauro da mitologia grega: requer a saída de um labirinto, no qual o bastonário da Ordem dos Advogados (OA) assegura haver, pelo menos, uma luz ao fundo do túnel.

“É um labirinto com sinalética. Não é tão labiríntico assim porque há colegas que fazem o exame, entram na OA e continuam. Todos os jovens advogados esperam encontrar uma saída, com todos os obstáculos que lhes são feitos”, esclareceu Guilherme Figueiredo, à margem do debate “Os novos desafios da advocacia”, promovido pela Associação Académica de Direito da Universidade Católica Portuguesa (AADUCP).

As barreiras que se colocam aos recém-licenciados em Direito surgem assim que estes se deparam com o mercado. Para o número um da Ordem, o problema começa no momento em que os mais novos se apercebem de que, além das competências que têm de mostrar, necessitam de capacidade financeira. Além do fator monetário, o representante dos jovens advogados no painel, Duarte Veríssimo dos Reis, acrescenta que deveria haver uma maior preparação para a chegada do recém-licenciado ao mercado de trabalho.

Na qualidade de advogado estagiário, Duarte inseriu-se há pouco tempo na rotina de um escritório, mas já conhece as preocupações que lhe chegam por parte dos ainda estudantes, apesar dos programas que visam combater esse distanciamento. “Ao entrar para um escritório é comum dizer-se que [o jovem] ainda não sabe nada do que é trabalhar ali. Tem de haver uma comunicação mais forte entre os representantes dos alunos e a Ordem”, critica o vice-presidente do Conselho Nacional de Estudantes de Direito.

O tema é bicudo para a otimista Ana Rita Duarte de Campos, vice-presidente do Conselho Geral da OA com o pelouro dos jovens advogados. Em concordância com os problemas apresentados, a advogada da MLGTS & Associados salienta que se pretende nivelar as ferramentas de acesso à profissão e minorar as desigualdades, mas a formação que é ministrada na Ordem nunca se poderá sobrepor àquela que é dada nas salas de aula das faculdades de Direito. Ao que o bastonário atesta, com a ideia de que o ensino superior transmite conhecimento e o órgão que dirige trata da profissão.

Reforçando a ideia de que não existe um forte apoio estatal nestas situações, o bastonário aconselha a não idealizar o futuro como nos filmes americanos. Àqueles que estão a dar o pontapé de saída para o exercício da profissão é esclarecido que essa não é a realidade atual em Portugal, muitas vezes, nem a dos Estados Unidos. “Não sigam a ideia cinéfila da advocacia. No enredo e no drama, o advogado surge no plano de fundo como alguém capaz de emocionar ou como uma figura que se preocupa com o produto do seu caso”, afirma Guilherme Figueiredo.

O desafio da sobrevivência
Uma das principais premissas que os membros da ‘mesa redonda’ partilharam sem discrepâncias foi a dúvida que um advogado que entra no terreno da prática tem quanto ao modo como irá conseguir vingar, sem suficiente capacidade financeira ou suporte familiar. Guilherme Figueiredo refere que para singrar na profissão não se trata de uma questão de mérito, sendo que o labirinto aumenta com o problema da concorrência entre os diferentes profissionais. O bastonário que colocou na agenda os mais novos, e para os quais pretende estágios na OA mais práticos e com um máximo de 18 meses, sublinha o “trabalho exigente, dedicação completa e exercício profissional envolvente” que o emprego requer.

“A licenciatura não é uma entrada na profissão. O curso de Direito permite o acesso a muitas profissões. É preciso um outro caminho”, diz o bastonário sobre os empregos noutras áreas jurídicas, na literatura ou comunicação social, por exemplo. Telmo Guerreiro Semião caminha neste ramo há cerca de 15 anos, numa experiência que abrange praticamente todas as vertentes da advocacia, e revê-se nas situações que foram sendo descritas.

O sócio da CRS Advogados realça que ou “se tem a sorte de fazer um escritório completo”, com acesso a uma importante carteira de clientes, ou o percurso não será fácil. Depois de um dia a dia repleto de “estagnação” enquanto advogado de empresa, o também ex-presidente da AADUCP encontrou segurança, pó mágico que procurou durante mais de uma década, na pequena sociedade da qual se tornou sócio em 2015.

As múltiplas possibilidades de exercício da advocacia também acabam por interferir na forma de aprendizagem e no estilo de trabalho com que se vão defrontar os jovens que acabam de sair da universidad. Os peritos referem que, nas circunstâncias atuais, a prática isolada tem problemas subjacentes e que, em relação à associativa, os advogados trabalham em conjunto caso a caso e conseguem responder a uma clientela maior. Desgastado está o advogado generalista da velha guarda, que parece já não ser aquilo de que precisa uma profissão revigorada com o frenesim da especialização. Os oradores concordam que atualmente é fundamental haver essa singularidade, num “mercado de risco” e que “precisa dos jovens”.

Notícia publicada na edição impressa do Jornal Económico de 7 de abril

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