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João Leão: 55 milhões pagos a Neeleman “estão justificados há três anos”

O ex-ministro das Finanças responde esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito à TAP. Enaltece o processo negocial que culminou no pagamento de 55 milhões ao empresário da Atlantic Gateway por ter evitado o potencial de litígio contra o Estado.
  • O ex-ministro das Finanças, João Leão, durante a audição na Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP na Assembleia da República, Lisboa, 06 de junho de 2023. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
6 Junho 2023, 19h36

O ex-ministro das Finanças João Leão responde esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito à TAP (CPI) sobre a tutela política da gestão da companhia aérea. O governante, que assumiu a pasta das Finanças entre novembro de 2015 e junho de 2020, sucedeu a Mário Centeno (ouvido ontem) e participou da gestão da companhia na fase da recompra pelo Estado.

Esse período de tempo compreende o pagamento de 55 milhões de euros a David Neeleman, do consórcio Atlantic Gateway, bem como a saída e indemnização de Alexandra Reis — o caso que motivou esta comissão parlamentar.

João Leão diz que não há propriamente uma base de cálculo por detrás do valor de 55 milhões de euros pagos a Neeleman, mas sim que o valor foi alcançado pela via da negociação mediada por uma sociedade de advogados – a Vieira de Almeida (VdA) – e que o objetivo era não só recuperar o controlo estratégico da empresa como assegurar que o Estado não seria alvo de litígio por parte do empresário que podia, diz o ex-ministro, exigir acesso às prestações acessórias de mais de 220 milhões de euros.

Em resposta à deputada socialista Vera Bras, começa por garantir que enquanto foi secretário de Estado do Orçamento não teve intervenção direta no dossier da TAP e que só passou a lidar com a companhia aérea “a partir do momento em que, na pandemia, e no âmbito do plano de estabilização, se começou a tomar as primeiras medidas necessárias do Orçamento do Estado (OE) para contemplar a ajuda à TAP”.

“A TAP não estava suficientetemente capitalizada. Ficou muito fráfil do ponto de vista dos capitais próprias nessa privatização e, ao contrário de outras companhias, foi considerada uma companhia em dificuldades”, acrescenta.

O ex-governante sublinha a “importância absolutamente estratégica para o país” que a TAP representa e que, na sua opinião, tem “uma dimensão muito além da de um mero ativo”.

“Assumir dívida às cegas”

As palavras são da deputada socialista, que se refere às cartas de conforto enviadas pela Parpública aos bancos no momento da privatização que o ex-ministro Pedro Marques classificou como “apressada”. Sobre essas cartas, diz João Leão, não há muito que possa dizer: “Não acompanhei esse processo por perto, mas em qualquer processo do Estado deve ser o mais transparente e rigoroso possível, e deve-se nesses mecanismos procurar sempre defender os interesses do Estado”, classifica.

Caso não tivesse havido uma reconfiguração dos contratos e o acionista privado tivesse incorrido em incumprimento de obrigações, um cenário que levaria à recompra forçada da TAP pelo Estado, o ex-ministro das Finanças admite que esse impacto financeiro da dívida acabaria por ter que ser reconhecido em sede de Orçamento do Estado.

E salta no tempo, de 2015 para 2020, quando “se sabia que [a TAP] era uma empresa bastante endividada (…) e nas últimas duas décadas havia muito poucas vezes lucro”.

“Foi claro, desde o início, que do ponto de vista europeu, a TAP era uma empresa em dificuldades. Qualquer auxílio tinha de ter um plano de reestruturação. Não se podia evitar e era claro para todos”, salienta ainda o ex-governante.

“Muita dificuldade em entender” os fundos Airbus

Questionado também sobre a operação dos fundos Airbus, diz à partida que não teve “nenhum conhecimento do processo”. “Em algum momento como ministro fui informado e tenho muita dificuldade em entender essa operação. Terá havido uma auditoria que identificou irregularidades e, a ser verdade, qualquer procedimento em que se faça um contrato para uma entidade privada – a TAP -, e há um desconto comercial… Isso não pode ser enquadrado em termos legais. É um lesar dos interesses da TAP e, por essa via, do Estado, para beneficiar os interesses de um acionista privado”, acusa.

Já sobre o plano de reestruturação, diz não ter participado no grupo de trabalho, mas pede aos deputados que contextualizem o momento.

“Temos de balizar isto na incerteza da altura. Não era óbvio quanto tempo ia durar a situação da TAP, mas o trabalho permitiu logo identificar a situação. Certo é que não se ia lá com pequenos remendos”, diz, falando de uma injeção de 200 milhões de euros.

Esse valor, diz, estava pensado para ser um empréstimo, apesar de “ser evidente” que era necessário um plano de reestruturação. “Os acionistas privados não queriam um empréstimo naqueles moldes e criou-se um impasse. Estava a TAP na iminência do colapso, algo que era preciso resolver em muito pouco tempo”, recorda, dizendo que esse bloqueio por parte da Atlantic Gateway “já foi referido várias vezes nesta CPI”. “Desde o início que, por parte dos acionistas, havia uma incapacidade de injetar mais fundos na TAP”, assegura.

Isto porque David Neeleman e Humberto Pedrosa tinham “receio” de que o empréstimo, ao ser convertido em capital, resultaria na diluição das suas posições acionistas, diz Leão.

Justificação dos 55 milhões “está clara para todos há três anos”

A negociação do valor pago a David Neeleman para sair da estrutura acionista da TAP – 55 milhões de euros – foi conduzida pela VdA em nome do Governo e dos dois ministérios da tutela. “Fomos acompanhando a negociação e dando referenciais”, recorda, dizendo que esse processo resultou “numa decisão do Governo que foi a aprovação de um decreto-lei”.

“De forma transparente, anunciámos que tínhamos dado autorização à Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) para comprar a tal posição acionista e recalibrar os direitos económicos (…) O Governo aí identifica logo a justificação desse valor, que está claro para todos há três anos. Já desde essa altura que se explica o contexto em que isso foi decidido e não é uma novidade de agora”, minimiza o ex-governante.

Não houve “uma fórmula de cálculo”, admite. A urgência do momento, com a TAP a “entrar em colapso financeiro em poucas semanas”, urgiu o Governo “a salvar a empresa, a não a deixar morrer ou fechar”.

“Das duas uma: ou entrávamos em acordo para a injeção de um empréstimo temporário, ou o Estado voltava a entrar” na estrutura acionista. “Esses 55 milhões correspondem de forma clara ao que foram: comprar 22,5% das ações, que era crucial porque assim o Estado passava a ter controlo da empresa. Por outro lado, há recalibragem dos direitos económicos e depois também a questão das prestações acessórias” a que David Neeleman teria direito, explica.

O acordo alcançado, sublinha, garante que Neeleman “abdica de qualquer litigância face ao Estado, no acordo que é feito”, algo que diz ser muito importante porque o Estado ia entrar muito em breve “no processo muito exigente de negociação do plano de reestruturação com a Comissão Europeia”.

“Era importante para o Estado evitar o custo reputacional de uma nacionalização forçada”, conclui.

Ainda sobre a saída de Alexandra Reis e a indemnização paga à ex-administradora, é categórico: só soube da demissão pelo comunicado enviado pela TAP à Comissão dos Mercados e Valores Mobiliários (CMVM), para o qual foi alertado pelo secretário de Estado do Tesouro.

Já a indemnização de 500 mil euros, diz, soube pela comunicação social.

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