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Subida do comércio ‘online’ é uma tendência que se vai manter depois da pandemia

No segmento não alimentar, o comércio nas últimas semanas passou de uma quota de 8% para 32%. Ao invés, o ‘offline’, as lojas físicas, registaram uma redução muito grande, de 92% para cerca de 68%, revela José Rousseau, professor universitário do IPAM.
13 Abril 2020, 07h35

O crescimento irreversível do comércio ‘online’, a entrada dos grossistas na venda ao consumidor final e a distribuição de lucros por parte das grandes superfícies aos seus trabalhadores são três tendências que José Rousseau, professor universitário do UNIDCOM/IADE/IPAM – Instituto Português de Administração de Marketing, destaca como resultado imediato do impacto do coronavírus nas tendências de consumo em Portugal e nas estratégias das cadeias de grande distribuição.

Em entrevista ao Jornal Económico, este especialista e investigador considera que estas tendências irão permanecer mesmo depois de a pandemia nos ter libertado.

Quais são as grandes tendências que perspetiva no consumo e na distribuição em Portugal a partir do impacto coronavírus?
Há vários aspetos que quero destacar como resultado do impacto do coronavírus no setor da grande distribuição em Portugal. Como se costuma dizer, há males que vêm por bem. Um dos aspetos mais específicos, mais importantes do impacto desta crise do coronavírus no setor da distribuição em Portugal, é que esta pandemia veio acelerar de uma forma muito forte o ‘online’. Penso de que ainda há dúvidas de que o ‘online’  vai ter um papel cada vez mais preponderante no negócio da distribuição em Portugal. Os dados das últimas semanas vieram esclarecer essas incertezas.

Quais são esses dados?
No segmento não alimentar, o comércio nas últimas semanas passou de uma quota de 8% para 32%. Ao invés, o ‘offline’, as lojas físicas, registaram uma redução muito grande, de 92% para cerca de 68%. Esta tendência também se verificou no segmento da distribuição alimentar, o que se explica pelo facto de o Estado de Emergência ter permitido que todas as lojas deste ramo tenham ficado abertas e também porque este tipo de produtos, bens essenciais, foram os que registaram maior procura dos consumidores portugueses nos primeiros dias de confinamento. Houve grandes superfícies que registaram nesses dias procuras três a quatro vezes superiores ao que é normal. Tiveram rupturas de prestação de serviço, até nos próprios ‘sites’ os consumidores tiveram de ficar em fila de espera, como foram os casos de que tive conhecimento, em cadeias como o Continente ou o Auchan.

Qual foi a resposta das empresas de distribuição a este desafio?
Face a isto, que já está solucionado, as empresas de distribuição tiveram de investir em capacidade tecnológica, em recursos humanos, em capital e nas cadeias logísticas. Por isso, penso que esta crise foi um acelerador para o ‘online’ na distribuição. Quando esta crise passar, as quotas de comércio ‘online’ vão estar muito mais elevadas do que estavam antes e vão permanecer aí, não vão voltar atrás, porque as pessoas estão a interiorizar este tipo de consumo. Desta forma, o ‘gap’ entre a quota de mercado das lojas físicas e das lojas ‘online’ na grande distribuição vai-se reduzir.

Além desta tendência, que outras destaca como resultdo do impacto desta pandemia?
Outro aspeto que quero destacar é o facto de que os grossistas, os ‘cash & carry’, como a Makro ou o Recheio, passarem a operar também como retalhistas. Estas cadeias continuavam ao logo de várias décadas a estarem teimosamente abertas apenas para profissionais, estando fechadas para os consumidores finais.

Como explica essa teimosia?
Além de uma teimosia, penso que também era um preconceito, um facto bastante estranho quando é uma tendência que existe há vários anos a nível internacional. Em Portugal, penso que esta é uma tendência sem explicação lógica ou racional. E para passar a atuar como retalhista basta uma autorização da Secretaria de Estado do Comércio. No meu entender, não se percebe esta tendência, é qualquer coisa que ultrapassa o racional. Estas cadeias estão a experimentar pela primeira vez operar junto dos consumidores finais. Na prática, de uma forma encapotada, estas cadeias grossistas já tinham clientes finais a fazer lá compras, mas espero que esta também seja uma tendência para continuar depois da pandemia. É mais uma oportunidade que o mercado lhes oferece. Claro que terá de haver ligeiras alterações nestas lojas das cadeias grossistas.

E qual a sua opinião sobre as pressões para as empresas de distribuição, como de outros setores, não distribuírem dividendos?
Penso que por pressão do primeiro-ministro e do Presidente da República, as empresas do setor da distribuição não deverão distribuir dividendos. Provavelmente, nesta situação, poderão aproveitar esse dinheiro para reduzir margens, investir, fortelecer o balanço. Mais importante que isso, na minha opinião, é o reforço da tendência da distribuição de lucros pelos colaboradores. Era uma prática já habitual em cadeias como a Auchan ou a Mercadona, uma exceção, que já distribuíam cerca de 25% dos respetivos lucros no final de cada ano, mas que está agora a ser aplicada por outras insígnias, como o Dia, Jerónimo Martins ou Continente, que estão a distribuir prémios pelos seus trabalhadores, que estão a ser reconhecidos como outros heróis nesta crise, além dos profissionais de saúde ou as forças de segurança.

Um setor em que a relação entre as empresas, os sindicatos e os trabalhadores não tem sido muito pacífica nos últimos anos…

Exato, Mas, agora, estão a premiar os heróis da distribuição, profissionais que estão a correr grandes riscos, que estão lá todos os dias, com sacrifício, para trabalhar nas lojas para nós, para a população em geral, para que possamos satisfazer as nossas necessidades básicas.

Uma das tendências de consumo das últimas semanas em Portugal passa pelo acréscimo de compras de produtos do setor da higiene. Pensa que é uma tendência para ficar?
Penso que o consumo acrescido de produtos higiénicos nesta fase de pandemia, como o álcool gel desinfetante ou as máscaras, é uma questão conjuntural. Não me parece que vá haver grande alteração nas tendências atuais. Não me parece que vá haver grande alteração nas tendências de consumo dos portugueses. Quando isto passar, vão voltar os velhos hábitos. Aquilo que eu acho que é sustentável, é a crescente utilização do canal ‘online’ em detrimento das lojas físicas. Essa é que vai ser a grande mudança de consumo dos portugueses. E, a partir de agora, a estratégia dos retalhistas vai ser apostar muito mais no ‘online’, e reforçar em equipas, em meios, em investimento. No meu entender, estamos a caminhar no sentido do que eu chamo de ‘omnicanalidade’, que é a tentativa de as cadeias de distribuição estarem presentes em todos os canais de venda.

Essa tendência vai-se verificar apenas na distribuição não alimentar, ou tambem vai estender-se ao retalho alimentar?
Esta é uma tendência que se vai acentuar, quer na distribuição não alimentar, quer na distribuição alimentar.

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