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5G, concorrência e consumidores. Os recados da Anacom para o setor das comunicações

No 29.º congresso da APDC, sob o mote “The Future of Business” o presidente da Anacom, João Cadete de Matos, deixou diversos recados ao setor das comunicações. Considerou “essencial” uma redução do preço das comunicações e acesso à Internet em Portugal, recusou atrasos no 5G, garantiu isenção, saudou os CTT e defendeu um “roaming nacional”.
  • Presidente da Autoridade Nacional de Comunicações, João Cadete de Matos
21 Novembro 2019, 07h47

Numa altura em que a economia nacional atravessa uma fase de transformação digital acelerada e em pleno processo de implementação da quinta geração da rede móvel, o setor das comunicações vive dias de tensão com as principais empresas do setor de costas voltadas com o regulador. Por isso, o presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), João Cadete de Matos, deixou recados aos players  do setor das comunicações, no discurso da sessão de abertura do 29.º congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), na quarta-feira.

Apesar de a Anacom não se fazer representar no habitual painel Estado da Nação das Comunicações, que contará os líderes da NOS, da Vodafone e da Altice e com o secretário de Estado Adjunto e das Comunicações e que servirá para encerrar o congresso da APDC esta quinta-feira, João Cadete Matos aproveitou a sessão de abertura do evento para abordar o dossier 5G, a ideia de um “roaming nacional” (anunciada pela primeira vez há um ano), o preço das comunicações e da internet e a relação entre regulação, concorrência e consumidores. Conheça as mensagens que Cadete de Matos deixou no grande auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Preços das comunicações e da internet em Portugal devem ser mais baixos
“Importa criar condições para que se inverta a disparidade observada ao longo da última década face à trajetória observada na União Europeia”, argumentou João Cadete de Matos, para depois apelar a “uma redução dos preços das comunicações e do acesso à internet em Portugal”.

Para o presidente da Anacom, é “essencial” reduzir o preço das comunicações no país, “a par da melhoria da qualidade dos serviços prestados” pelas principais operadoras nacionais.

“Em Portugal os preços das telecomunicações aumentaram 12,5%, o que corresponde ao maior aumento observado nesse período nos países da União Europeia e compara com uma redução de 10,9% observada na União Europeia”, explicou.

O apelo da Anacom surge uma semana depois de a Associação de Operadores de Telecomunicações (Apritel) ter divulgado um estudo, colocando Portugal como o segundo país da União Europeia onde os pacotes de serviços de comunicações têm o preço mais baixo. O estudo, contudo – que foi saudado pela Anacom -, apenas compara um grupo de dez países da UE onde o mercado das comunicações é idêntico ao português, contando com as ofertas identificadas pela Apritel (pacotes convergentes de três ou quatro serviços, 3P e 4P).

“Proteção máxima dos consumidores” não condiciona desenvolvimento do setor
Por isso – apelar à redução dos preços das comunicações no mercado -, Cadete de Matos afirmou que, “conforme está previsto na sua missão, a Anacom continuará a dar prioridade à proteção dos consumidores e dos utilizadores das comunicações em Portugal.

“A este propósito sublinharia a importância da aprovação das 12 medidas contempladas na proposta de alteração da Lei de Comunicações Eletrónicas que apresentámos no início do ano ao Governo e à Assembleia da República, entre as quais destacaria o reforço da mobilidade dos assinantes no mercado, revendo e clarificando os limites a aplicar ao valor dos encargos a suportar pelos assinantes em caso de denúncia antecipada de contratos com períodos de fidelização e a divulgação da informação relativa à medição da velocidade de acesso à Internet”, frisou responsável.

Inserida na proposta de alteração legislativa, a Anacom defende “diversas alterações ao nível sancionatório”. Ou seja, a direção de Cadete de Matos gostaria de ver o seu poder reforçado, para que “a autorregulação pudesse ter uma maior expansão em Portugal”.

Lembrando o que aconteceu há um ano, aquando do estabelecimento de um código de conduta pelas empresas do setor relativamente ao Wap Billing, Cadete de Matos afirmou: “A autorregulação pode e deve ser um instrumento relevante para o mercado, baseado no estabelecimento de regras pelos próprios operadores, os quais, desejavelmente, não devem esperar pela intervenção do regulador e, ainda menos, pela alteração da lei para dar resposta aos problemas que surgem no desenvolvimento da atividade das telecomunicações em Portugal”.

Nesse sentido, o presidente da Anacom assegurou que todas as decisões da Anacom são tomadas “sempre com total isenção”. “Gostaríamos que a regulação e a ação sancionatória não tivessem que ser a única solução, mas como é óbvio o regulador existe para cumprir a sua missão”, salientou.

Aludindo aos players setor, cujo “contributo” é “essencial e de grande relevância”, sem prejuízo para o desenvolvimento do setor, o regulador garantiu que “não se deixa condicionar e continuará a agir com rigor e total firmeza em defesa da concorrência e da proteção dos consumidores”.

Cadete de Matos sublinhou que o organismo que lidera vai prosseguir com uma “regulação ativa”, esperando “total respeito pelo exercício da sua missão com total autonomia, isenção e independência”.

“A Anacom tem-se empenhado e continuará a empenhar-se de forma ativa em assegurar uma proteção máxima dos direitos dos utilizadores das comunicações, procurando contribuir para que todo o país obtenha o máximo benefício em termos de escolha, preço, qualidade e segurança dos serviços postais e de comunicações eletrónicas”, rematou.

Regulador recusa atraso no 5G
A pensar no desenvolvimento do setor das comunicações, João Cadete de Matos voltou a rebater a ideia propalada pelas principais telecom de Portugal: “Demonstra-se facilmente que não existe qualquer atraso nos trabalhos preparatórios conducentes à atribuição das licenças necessárias para o 5G: tanto na faixa dos 700 MHz, adequada para assegurar a transição para a próxima geração de redes móveis e a cobertura em diferentes áreas, como na faixa dos 3,6 GHz, apta para a disponibilização de capacidade necessária para serviços suportados nos sistemas 5G”.

Abordando o tema dos trabalhos preparatórios da quinta geração móvel (5G), o regulador – embora tenha admitido que os operadores têm razão no argumento de que “ainda falta recuperarem o investimento realizado no 4G” – contestou a postura das empresas que defendiam que o “5G só teria interesse depois de 2022” e que agora acusam a regulação de atrasar o processo de implementação da nova rede móvel.

Numa clara alusão à Altice Portugal, o presidente da Anacom criticou: “No caso da disponibilização do espectro na faixa dos 700 MHz, o operador responsável pela transmissão da Televisão Digital Terrestre (TDT) em Portugal defendeu expressamente que a atribuição deste espectro só ocorresse após 2020, propondo que o Estado português usasse a derrogação de dois anos prevista na Decisão da União Europeia para a libertação da faixa dos 700 MHz, adiando dessa forma a entrada do 5G nesta faixa para 2022″. Uma proposta que a Anacom rejeitou em 2018.

Cadete de Matos defendeu, nesse sentido, que Portugal não abandonou o pelotão da frente no que respeita ao setor das comunicações eletrónicas.”Importa ter presente que Portugal é dos países europeus que tem realizado um maior número de ensaios técnicos e estudos científicos utilizando diversas tecnologias, nomeadamente as que contribuirão para o arranque do 5G em Portugal, o que posiciona Portugal no grupo de países com mais testes efetuados até ao momento”, disse.

Portugal “será, conforme o calendário anunciado pela Anacom, um dos Estados-membros da União Europeia que dará cumprimento em primeiro lugar e de forma completa, ou seja já em 2020 e cobrindo as faixas relevantes, às metas definidas a nível europeu, contrariamente a vários outros países que apenas o farão mais tarde”, salientou João Cadete de Matos.

Leilão do 5G
Uma das dúvidas suscitadas pelas empresas de telecomunicações relativas ao 5G é o modo de atribuição das frequências do 5G. Para o presidente da Anacom optou-se por um leilão, por “considerar tratar-se de um processo potencialmente mais transparente e objetivo para todos os interessados e menos intrusivo nos planos de negócio dessas entidades, pois permite que cada entidade, que tem necessidades próprias em termos de espectro, possa adquirir a quantidade de espectro que efetivamente precisa e que valoriza.

Nesse sentido, Cadete de Matos identificou como “grande vantagem” do leilão a possibilidade de “contemplar, de forma muito abrangente e em maior escala do que tem sido possível noutros países da UE, as faixas dos 700 Mhz e dos 3,6 Ghz”.

Para a Anacom, este modelo de atribuição das faixas do 5G “vai ao encontro do interesse expresso pelos operadores”, cumprindo a estratégia da “UE para o mercado único digital, que recomendou uma introdução coordenada a nível da UE a fim de fomentar o investimento nas redes de banda larga de elevado débito e de facilitar a proliferação de serviços digitais avançados”.

João Cadete de Matos também evidenciou a necessidade de se fixar  obrigações “em nome do interesse público”, salvaguardando a entrada de novas entidades e o surgimento de novos modelos de negócio no mercado das comunicações, sobretudo nos casos dos “operadores móveis virtuais” e das entidades que com “licenças obtidas anteriormente”.

A abertura do espetro a mais players será possível com a partilha de rede, uma outra sugestão da Anacom.

Roaming Nacional
Para João Cadete de Matos, a partilha de rede advém de imposições de regras e obrigações no acesso à rede. Nesse sentido, essas regras – que só serão conhecidas em janeiro de 2020 – poderão  traduzir-se “me obrigações de partilha de infraestruturas, podendo assumir a forma de roaming nacional, facilitando a implementação das redes não só de novos players como de entidades já instaladas”. Para a Anacom, um roaming nacional constituirá “uma mais-valia para o mercado”, gerando mais investimento e facilitando “o respetivo retorno, e que é vantajoso para os utilziadores finais, que poderão beneficiar de preços mais competitivos”, isto é, mais em conta.

“A Anacom considera que deve ser equacionada a imposição de obrigações de roaming nacional, nomeadamente em áreas de baixa densidade populacional, entendendo-se que tal é relevante para o cumprimento de objetivos de inclusão social e económica, permitindo chegar com economia de meios a áreas que de outra forma não teriam cobertura de vários operadores”, argumentou João Cadete de Matos.

Esta é uma ideia que as operadoras têm revelado reservas, devido a princípios concorrenciais, por acreditarem que tal poderá desincentivar as telecom de investir no setor.

Nesse sentido, e observando o mercado a médio prazo, o presidente da Anacom lembrou a existência de “lacunas nos serviços de banda larga e serviços de voz”, apelando assim à criação de acessos  “em todo o território” ao serviço de banda larga.

“A este respeito, importa relembrar as lacunas na cobertura das redes móveis que ainda se registam, incluindo não apenas no serviço de banda larga, mas também no serviço de voz, aliás objeto de frequentes reclamações apresentadas por elementos do público e também de autarcas. Permitam que enfatize o objetivo de garantir a oferta de serviços de banda larga em todo o território nacional, incluindo nas zonas rurais e com menor densidade populacional”, sutentou.

“A revolução digital de que Portugal quer beneficiar só será possível se o acesso aos serviços de internet de banda larga forem uma realidade em todo o território. Sublinho todo o território onde existam pessoas a residir ou a trabalhar. Onde existam atividades económicas ou de cariz social, de  maior ou menor dimensão. Ninguém pode ficar excluído. Nenhuma atividade económica, na indústria, nos serviços, no comércio, na agricultura ou no turismo pode ficar excluída”, acrescentou Cadete de Matos”.

CTT e o serviço postal universal
Em tom mais acolhedor, Cadete de Matos dirigiu-se às comunicações postais. o gestor da Anacom saudou, publicamente, “o acolhimento pelos CTT das orientações da Anacom relativas aos objetivos de densidade da rede postal e da decisão de reabertura das estações de correio que tinha sido em encerradas em vários concelhos [durante o último ano]”.

Essa decisão por parte dos CTT levou de novo o tema da privatização da operadora (data de 2014) e da concessão do serviço postal universal ao Parlamento, um tema muito propalado no início deste ano e que deverá voltar à agenda no decorrer da atual legislatura , já em 2020.

Por isso, o presidente da Anacom pediu: “Estando previsto para dezembro de 2020 o fim da atual concessão do serviço postal universal, consideramos essencial uma preparação cuidada do novo enquadramento legal e regulatório que permita assegurar a continuação de um serviço postal de qualidade, que dê resposta efetiva às necessidades do país, após essa data”.

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