O domínio do dólar americano sobre o sistema monetário internacional remonta ao final da Segunda Guerra Mundial. Desde então, assumiu um papel pivotal nos circuitos de comércio internacional e enquanto reserva de valor. Atualmente, surgem questões sobre o futuro do dólar enquanto divisa dominante, motivadas pela desdolarização e consequente redução da dependência do dólar por parte de vários países.

Na vanguarda desta iniciativa encontram-se os BRICS – grupo de economias emergentes composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, em particular Rússia e China. A cooperação sino-russa nesta matéria ganhou tração na sequência das sanções ocidentais impostas à Rússia, derivadas da guerra na Ucrânia.

De acordo com dados da Bloomberg, o volume de transações do par yuan-rublo atingiu os 201 mil milhões de yuans em dezembro de 2022, valor 90 vezes superior ao de fevereiro, altura em que se iniciou a incursão russa. Já neste ano, em fevereiro o renmimbi sobrepôs-se ao dólar pela primeira vez no volume de transações na Rússia, tendo esta diferença sido dilatada em março.

Dentro da esfera dos BRICS estão também acordos comerciais entre a Rússia e Índia, e entre o Brasil e China para que o comércio bilateral entre os países seja feito com recurso às respetivas moedas, contornando assim a divisa americana.

Alinhada com as pretensões de desdolarização aparenta estar a participação do dólar em reservas cambiais detidas por bancos centrais – segundo o Fundo Monetário Internacional, o dólar representa atualmente 58% destas reservas, tendo diminuído paulatinamente desde 1999, altura em que este valor ascendia a 71%.

Num momento marcado por instabilidade económica e tensões geopolíticas, os desenvolvimentos supramencionados parecem sugerir que, efetivamente, o dólar poderá ser derrubado do trono. Mas será assim tão linear?

Importa salientar que a discussão sobre a desdolarização não é novidade. A hegemonia do dólar já foi posta em causa várias vezes, desde o colapso do sistema de Bretton Woods, passando pelo lançamento do euro em 1999, até à crise financeira de 2008.

De facto, no paradigma atual nenhuma outra moeda se revela capaz de ameaçar o estatuto do dólar. Conforme esta ideia está a liderança do dólar em reservas cambiais, que apesar de menos dominante do que outrora foi, tem um maior peso do que moedas como o euro ou o renmimbi, responsáveis por 20% e 3% destas reservas, respetivamente.

Segundo o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), esta dominância do dólar estende-se a outros capítulos, como o mercado cambial, onde esteve presente em 88% das transações, e os pagamentos associados ao comércio internacional, em que cerca de metade das transações estão denominadas na divisa americana.

Ainda que o futuro seja incerto, não é expectável que o dólar seja destronado nos próximos tempos. Qualquer moeda que ambicione um papel dominante – seja o renmimbi, uma nova moeda dos BRICS, ou outra – terá ainda um longo caminho a percorrer. Ainda assim, a decrescente influência do dólar poderá culminar no surgimento de um sistema monetário multipolar.

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o ITIC, o grupo de estudantes que integra o Departamento de Research do Iscte Trading & Investment Club.