A Argélia encontra-se há uns meses em forte ebulição social. Para apaziguar os protestos, os militares afastaram figuras gradas do regime, começando pelo presidente Abdelaziz  Bouteflika. De figuras tutelares passaram a atores políticos de primeira grandeza. O afastamento dos responsáveis máximos não é contudo sinónimo de mudança de regime. Sob pressão, fizeram-se algumas cedências às exigências dos manifestantes, mas sem o colocar em causa. Não é seguro que se vá desmoronar. O futuro é muito incerto. É difícil nesta altura antever com precisão as reformas que vão ser implementadas. O final da estrada não será necessariamente a democracia.

Galvanizados pela demissão de Bouteflika, os manifestantes continuam a pressionar para se proceder a uma maior abertura política, e apelam a uma transição que pode passar pela não realização das eleições presidenciais agendadas para 4 de julho, uma vez que o sistema instalado não garante que sejam livres e justas. Apesar de socialmente isolado, o regime não está morto. A resposta das autoridades faz-se sentir agora de uma forma mais assertiva. As manifestações foram proibidas, exceto as de sexta-feira, o aparato repressivo tornou-se mais ativo e alguns líderes dos protestos foram presos.

É singular o facto de estes protestos não serem promovidos por partidos políticos, mas por várias organizações que emergiram da sociedade civil como sejam sindicatos independentes, associações de direitos humanos e grupos de jovens. Dos protestos não se evidenciaram ainda lideranças. Até à data não se destacou nenhuma figura política. Esta ausência associada a formas organizativas embrionárias e manifestações inorgânicas dificultam a constituição de uma plataforma política alternativa que fale a uma só voz.

Para além da vontade comum de quererem romper com o passado, estes grupos estão longe de serem capazes de estabelecer objetivos políticos claros e definirem uma estratégia política articulada. Não se sabe quem representa quem e o quê.

Os militares vão explorar essas contradições para segurar o regime. No curto prazo, este vai manter-se assim como os protestos. Os militares recorrerão à repressão sempre que for necessário para desincentivar a contestação. Veremos até que ponto conseguem enfrentar o desafio.

A realizarem-se eleições livres e justas, é uma incógnita o modo como estes grupos se vão organizar politicamente para concorrerem e se inserirem no mainstream político. A possibilidade de se pulverizarem e tornarem politicamente irrelevantes é real. Apesar das marcas deixadas pela guerra civil que assolou o país durante mais de uma década (1991-2002) ainda estarem vivas, não é de excluir um cenário semelhante ao que se seguiu às eleições de 1991, em que grupos radicais islâmicos chegaram democraticamente ao poder, sendo posteriormente afastados através de um pronunciamento militar.

Registe-se a reação discreta dos líderes europeus aos atuais protestos, a mesma registada quando Abdel Fattah al-Sisi conseguiu recentemente aprovar a emenda constitucional que lhe permitirá prolongar o seu mandato até 2034. Parece que o capital de indignação é seletivo, dependendo da conveniência e não dos valores que proclamam.