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A “bem” da sustentabilidade do setor energético

A Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (habitualmente designada por CESE) foi introduzida em 2014 como meio de obtenção de receita de carácter extraordinário (inicialmente no total de 150 milhões de euros), no sentido de contribuir para o reequilíbrio orçamental do Estado português.
2 Novembro 2019, 16h00

A introdução da CESE teve então como objetivos centrais a promoção da sustentabilidade sistémica do setor, através do financiamento de políticas de cariz social e ambiental, bem como com a redução da dívida tarifária do sector elétrico.

Durante os seus seis anos de vigência, a CESE continua a ser contestada pelas empresas abrangidas, sendo manifesto o impacto financeiro que representa, em particular, no que agora respeita aos produtores de energia de fonte renovável, dos quais parte, apenas recentemente passaria a pagar este tributo. Formalmente, estamos perante uma Contribuição que incide sobre o valor dos ativos do sujeito passivo, não podendo ser repercutido na tarifa ou considerado como gasto fiscal em sede de IRC.

O Acórdão n.º 7/2019 do Tribunal Constitucional, o qual teve origem num pedido de pronúncia arbitral relativo à pretensão de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CESE, relativos ao ano de 2014, não desenvolve de modo significativo a análise jurídico-tributária sobre a CESE, mantendo resumidamente uma posição de concordância com o Tribunal Arbitral – Acórdão (CAAD) n.º 312/2015-T, de 7 de janeiro.

Numa apreciação geral, (o Tribunal Constitucional) optou por manter uma posição de concordância relativamente à decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, pela qual se entende a CESE como uma contribuição financeira, cuja receita se encontra validamente consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE). Nestes termos, entendeu que estamos perante uma pura contribuição financeira, enquanto instrumento de regulação social, cuja legitimidade decorre da função do Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do setor energético), e o sujeito passivo. Em face do referido nexo de causalidade, «(…) o “destino” ou “função” da receita, normativamente definidos, é que hão-de contar para a sua qualificação, sendo irrelevantes, face a eles, quaisquer considerações, de enquadramento mais geral da medida no contexto de necessidade de consolidação orçamental, que constem de textos oficiais (….).»

A divulgação do Acórdão pelo Tribunal Constitucional acabaria assim por não acompanhar as expectativas dos operadores económicos quanto a uma discussão mais aprofundada sobre a verdadeira natureza jurídica e tributária da CESE, bem como sobre a legitimidade da sua manutenção pelo Estado português.

Em suma, entende-se que existe uma contraprestação pública, pelo que, de um modo geral, o pagamento justifica-se fundamentalmente pelas ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais realizadas pelo Governo. Mas não será sempre essa a função do Estado nos diferentes setores económicos?

Num contexto de crescente criação de contribuições e taxas, seria expectável um forte juízo de ponderação da CESE à luz da Constituição. Ao invés, assinala-se, uma ausência de análise dos princípios constitucionais aplicáveis (capacidade contributiva ou tributação pelo lucro real).

Estamos assim perante um instrumento que vem retirar uma parcela de liquidez patrimonial a um conjunto de empresas, tendo em conta não o seu rendimento real, mas sim o valor dos seus ativos, sem que se mantenha atualmente o fundamento inicial de reequilíbrio orçamental. Ou seja, em nome de uma receita de caráter extraordinário (agravado pela ausência de qualquer delimitação temporal), coloca-se em causa a certeza e segurança essencial ao investimento económico (externo), sem que se consiga explicar aos novos operadores a razão pela qual deverão assumir este encargo.

A CESE mantém a sua vigência, alargando em 2019 a respetiva incidência para com parte dos produtores de energia de fonte renovável (quem tenha beneficiado de regime de remuneração garantida), quebrando-se a isenção até então existente. Discute-se agora os termos exatos em que se poderá manter a isenção no caso das entidades que tenham obtido a respetiva licença através de procedimentos regulados pelo regime de contratação pública.

Ora, o fundamento material em que deverá assentar a criação de novos tributos, e de que é exemplo a CESE ou Contribuições como a que igualmente incide sobre a Indústria Farmacêutica, padece de uma maior minúcia na demonstração da conexão entre a realidade tributada e o meio de tributação utilizado, de uma análise de impacto ao nível do respetivo setor económico, afastando a sobreposição de meios de tributação direta e indireta, e a garantia quanto à necessária coerência com o restante sistema fiscal.

Note-se que não se pretende aqui questionar a necessidade da receita pública em causa, mas tão só o recurso a instrumentos tributários cuja conformação constitucional e legal não se verifica na sua totalidade.

Numa outra perspetiva, deverá acautelar-se quer uma base de equilíbrio entre o peso tributário em causa, e a interferência no setor, quer os objetivos de política energética e ambiental que se pretende que sejam prosseguidos. Nestes termos, impõe-se um cuidado adicional na definição de políticas fiscais de impacto económico setorial, mediante o recurso a métodos de tributação que progressivamente se sobreponham à estrutura tributária tradicional, em especial, no que respeita ao próprio IRC, e constituam fatores de incerteza fiscal para os agentes económicos. Tais tributos devem sempre ser entendidos como medidas de política económica estrutural.

A complexidade e diversidade com que se caracteriza o quadro tributário aplicável ao setor energético (na sua globalidade) determina uma análise alargada a instrumentos que, não sendo formalmente tributos (impostos, contribuições ou taxas) atuam como tal, relevando na avaliação de impacto financeiro dos operadores económicos abrangidos. Fator que naturalmente coloca desafios à correta compreensão dos pagamentos em causa.

Atenta a sua maior relevância, impulsionada pelas alterações introduzidas em 2019, refere-se para o presente efeito, o mecanismo regulatório tendente a assegurar o equilíbrio da concorrência no mercado grossista de eletricidade em Portugal, tal como previsto no Decreto-Lei n.º 104/2019, de 9 de agosto (altera o Decreto-Lei n.º 74/2013, de 4 de julho). O referido mecanismo surgiu como meio de resposta aos impactos decorrentes dos eventos ou medidas ocorridas noutros Estados-membros da União Europeia na formação de preços no mercado grossista português de eletricidade. Um dos eventos externos identificados pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) com impacto na operabilidade do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), e que justificou, em certa medida, a criação deste mecanismo em 2013, foram as medidas fiscais sobre os centros eletroprodutores em Espanha que influenciaram os preços praticados e as receitas dos diferentes produtores portugueses. A compreensão do referido mecanismo regulatório continua a aguardar a elaboração (anual) de um Estudo por parte da ERSE. Neste âmbito, e embora previsto no respetivo regime jurídico, não poderá deixar de se destacar a definição por mero Despacho [n.º 8521/2019, emitido pelo Senhor Secretário de Estado da Energia] do valor dos pagamentos por conta a aplicar aos produtores de energia elétrica abrangidos pelo presente mecanismo em 2019: 2,71 €/MWh, para os produtores de energia elétrica que explorem centros eletroprodutores com tecnologia de carvão; 4,18 €/MWh, para os produtores de energia elétrica que explorem centros eletroprodutores com as restantes tecnologias abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 74/2013, de 4 de junho, na sua atual redação.

Define-se assim um novo “pagamento” (ou imposto) que, apesar da respetiva repercussão na tarifa, corresponde diretamente a um custo adicional do produtor, para o qual não existe qualquer retorno.

Sem que se demonstre a sua efetiva necessidade pela função regulatória exercida pelo Estado e potencial incremento de eficiência proporcionado, estaremos sempre perante meros custos adicionais, encapotados de impostos e/ou figuras similares.

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