Depois de semanas a falar-se da casa de banho dos alunos, falta agora falar da casa de banho dos professores. Por este andar já imagino ‘manifs’ à porta, com gritos de ordem do género: “não é bonita a discriminação na sanita” ou “o bidé é para o Professor e para o Zé”!

Pois o que eu queria dizer é que ainda me lembro da primeira vez em que fui à casa de banho dos professores, quando deixei de ser aluno e passei a ser professor (assistente, vá) na Faculdade de Direito de Lisboa. E quando se pensa que a casa de banho – mesmo a dos Professores – não é o local mais inspirador, posso dizer que foi nesse dia que percebi o significado das casas de banho dos professores desta vida. Foi ao abrir uma porta que antes estava fechada, e ao abri-la com a força do trabalho, que me comecei a aperceber da importância de se querer progredir na vida, de se querer atingir o que antes se pensava ser inatingível.

É esta ideia, bem mais do que a casa de banho, que me tem acompanhado ao longo da vida, e é o que tento transmitir a alunos e filhos, na Universidade e em casa, da mesma maneira. Não é nivelando por baixo que se progride, não é colocando todos no mesmo patamar, na mesma “casa de banho”, sem nada com que sonhar, sem nada para procurar alcançar, que se avança. A mensagem que a casa de banho dos professores sempre me transmitiu, mesmo antes de lá poder entrar, nunca foi a de que aqueles malditos professores têm uma casa de banho luxuosa (que não tinham) e nós temos uma casa de banho miserável (que era o caso), mas antes a de que era possível sonhar, trabalhar e alcançar.

Se uma casa de banho pode ser a metáfora inspiradora para todo um programa baseado na ideia de ir atingindo objetivos, à custa do esforço, do trabalho, do mérito e do brio em fazer as coisas bem feitas, então já valeu a pena a invenção deste luxo académico. As casas de banho dos professores ou servem para isto ou então não servem para nada. Não é porque os professores podem estar aflitos e haver uma fila na casa de banho dos alunos ou porque têm medo de ser atacados em território alheio, sobretudo em situações mais ou menos embaraçosas, que as casas de banho dos professores foram feitas.

Mas já que temos uma casa de banho só para nós, o que queremos fazer com ela? Queremos a nossa casa de banho limpinha e desinfetada de alunos ou queremos puxar esses alunos para um dia, como eu, também lá entrarem, como quem corta a meta nos jogos olímpicos? Esse é que é o desafio. O de proporcionar aos outros o mesmo ou mais do que nos proporcionaram a nós. Nunca queimar etapas, mas nunca fechar portas, nem mesmo as da casa de banho dos professores, é a minha bandeira.

Na Universidade, em cada escola, como no país, o que é preciso é assumir que mesmo com casas de banho separadas, fazemos todos parte da mesma equipa, em que uns hoje treinam outros, tal como no passado foram treinados. Na música do Miguel Araújo canta-se o fado do homem médio, que diz “quero ter um sofá e no peito um crachá, quero ser funcionário com um cargo honorário, e carga de horário e um ponto a picar. Vou dizer que sim, ser assim assim, assinar a Readers Digest”. Posso garantir que este homem nunca sonhou ir à casa de banho dos professores, nem mesmo para lá ler a Readers Digest. E é pena.

Escrevo este artigo na Universidade de Cambridge, e se há terra onde se cultiva a importância dos “Fellows”, que são os professores cá do sítio, é aqui. Não faltam lugares para bicicletas “Fellows only” e jardins só para Fellows e até um sistema de correio interno apenas para Fellows. E ninguém vê nisso uma discriminação que ofenda quem não é Fellow, nem mesmo quando estes se sentam na high-table no refeitório. A high-table é, mais uma vez, uma metáfora significativa de que é sempre possível subir, com base no trabalho e na educação.

Na vida todos começamos alunos e um dia todos seremos professores, ainda que sem nos darmos conta disso e sem fazermos disso profissão. Quando – na nossa vida – olhamos para a placa a dizer “casa de banho dos professores”, podemos ver duas coisas: ou um sinal de privilégio sem sentido e, nesse caso, não há qualquer incentivo a melhorar, a progredir, a trabalhar para alcançar. Ou, então, vemos um sinal de um futuro que um dia, se quisermos, seremos capazes de atingir. A escolha é nossa. A casa de banho dos professores está mesmo ali ao fundo do corredor.