1. O conceito de concorrência é essencial para a salvaguarda dos consumidores, que somos todos.

Em Portugal, país pequeno, às vezes insuportavelmente pequeno e asfixiante, até há uns quatro anos pouco se tinha dado pela sua existência, o que é estranho, pois que desde 2003 existe um organismo regulador, a chamada Autoridade da Concorrência (AdC). É a esta entidade que cabe assegurar o respeito pelo funcionamento da economia de mercado e da livre concorrência.

Como vemos, não tem sido fácil.

Todos os dias nos chegam rumores de conluio em concursos públicos, seja na administração central ou local, na aquisição de produtos ou serviços. Acontece em autarquias, escolas, hospitais, tribunais, outras estruturas. Os concorrentes fazem cartel. Combinam vitórias. Subcontratam fornecimentos entre si. Os crimes acabam sempre pagos pelos impostos.

2. O fenómeno tem muitas dimensões. Não é só público. Também é privado e cooperativo.

Nas autoestradas, iguala ao cêntimo o preço dos combustíveis.

Nas farmácias aproxima os custos dos medicamentos.

No retalho sai-nos ao caminho sobretudo no preço dos alimentos.

Na comunicação, no tempo áureo dos jornais, chegava ao desplante de aumentar os preços de capa, por igual, no mesmo dia.

Podia continuar por custos associados à Justiça, à banca, aos seguros. São demasiados os exemplos que nos condenam como sociedade pretensamente evoluída mas que, na prática, se consome no crime económico.

E quem faz isto não são marcianos. São cidadãos viciados numa cultura desprezível, socialmente tolerada; a mesma que ainda há poucos anos apresentava a fuga aos impostos como uma proeza de gente supostamente inteligente.

3. Por tudo isto, são um sinal de esperança as multas de 304 milhões de euros que a Autoridade da Concorrência (AdC), em duas decisões, aplica agora a seis cadeias de supermercados (Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan, Intermarché, Lidl e E.Leclerc) e dois fornecedores de bebidas (Sociedade Central de Cervejas e a Prime Drinks).

Há muito que o retalho alimentar pedia uma investigação séria. E a AdC informa que novas ações estão em curso visando de novo as grandes cadeias de supermercados e outras marcas conhecidas, como a Licor Beirão, a Sumol/Compal, a Sogrape, a Bimbo Donuts.

Ainda bem que tal acontece.

Temos de saber separar o respeito por todas essas marcas, e os seus trabalhadores, daquilo que são práticas condenáveis e finalmente condenadas. Neste caso, os 121,9 milhões de euros de multa à Sonae (Continente) ou os 91 milhões à Jerónimo Martins (Pingo Doce), que são passíveis de recurso, constituem também um aviso a outras empresas e sectores.

4. Estão de parabéns os 115 funcionários da AdC e, à cabeça, a presidente Margarida Matos Rosa. Eleita em novembro de 2016, primeiro como vogal, esta mulher já dirigiu a aplicação de 73% das multas da concorrência, o que é absolutamente revelador da ação – agora no retalho, mas já antes na banca, nos seguros, nas farmácias e nos notários. Há um antes e um depois da sua entrada em cena. Sobretudo, devemos esperar que também haja um futuro desta capacidade de fiscalizar e monitorizar a atividade económica.

Portugal, com os seus mecanismos de negócio, a escassa concorrência esmagada por monopólios, duopólios, oligopólios e outros cartéis, precisa de gente assim.