A economia tem destas coisas. Nem sempre o que parece simples o é! Recentemente, a imprensa portuguesa dava nota de uma missiva conjunta dos ministros das Finanças de Portugal, Espanha, Itália e França a propósito da necessidade de observar cuidado na utilização de indicadores económicos como saldo estrutural ou crescimento potencial que, não se tratando de indicadores observáveis, são objeto de divergência e de grande discussão.
A simplicidade das regras orçamentais pela qual se rege hoje a União Europeia é apenas aparente. É verdade que o défice orçamental em percentagem do PIB ou o valor da dívida pública em percentagem do produto consistem na simples divisão de cada uma destas grandezas macroeconómicas – défice do orçamento de Estado e total da dívida pública emitida – pelo valor do PIB.
Começando pelo numerador, se admitirmos que “défice” e “dívida” são duas medidas isentas de qualquer controvérsia – o que está longe de acontecer (seguramente que todos se recordam dos intermináveis debates sobre défice primário e défice estrutural ou qual o perímetro de consolidação escolhido para mensurar a dívida pública) –, a discussão só pode centrar-se no denominador, ou seja, nas medidas do PIB.
À primeira vista, nenhuma discussão deveria ser suscitada pela medida do PIB, porque a produção realizada num país, durante um determinado período, deve ter um valor objetivo. A contabilidade nacional oferece uma vasta gama de ferramentas que permite o seu cálculo com elevada precisão. Mas, se assim é, porquê a controvérsia que se está a gerar em torno do PIB potencial? É, pois, legítimo questionar a razão de se introduzirem fatores de ruído adicionais na análise do desempenho orçamental do país.
O PIB é sujeito a flutuações que têm a ver com a conjuntura ou o ciclo económico. Olhando em retrospetiva, as economias crescem ciclicamente em torno de uma tendência de longo prazo. Há momentos em que a taxa de variação está acima da tendência, noutros encontra-se abaixo. De forma simples e ilustrativa, a taxa de variação do PIB potencial pode equiparar-se ao ritmo médio de crescimento da economia no passado recente.
É indiscutível a utilidade da medida do PIB potencial, guiando os governos na definição e na condução da política económica, com o objetivo de prevenir flutuações abruptas no emprego e na evolução dos preços. Quando as economias se encontram a crescer abaixo da tendência – ou do PIB potencial – é necessário criar estímulos para fazer regressar o rendimento e o emprego. Preocupações meritórias, como todos concordarão.
Contudo, quando discutidas no contexto das regras orçamentais da União Europeia, o PIB potencial tem implicações práticas não negligenciáveis para a despesa pública e para a dívida do Estado. Nas fases depressivas do ciclo económico, a consideração do PIB potencial aumenta o espaço de manobra para a política fiscal, permitindo maior gasto público e maior défice, assim estimulando a economia pelo lado da procura.
Como a definição de PIB potencial também não é uma grandeza consensualizada – a começar, de qual o período a considerar para usar na sua estimação – o risco está numa possível sobrestimação do seu valor, facilitando o estímulo à procura quando, muitas das vezes – apesar de mais difícil – o que é necessário estimular é a oferta, através de medidas de natureza microeconómica que apelam à gestão e à iniciativa empresarial, tendencialmente com menor reflexo nas despesas do Estado!