O discurso de Pablo Casado, líder do PP, proferido na sessão de apresentação da moção de censura do VOX ao Governo PSOE/PODEMOS é um exemplo de qualidade formal, que contrasta com a indigência vocabular e intelectual do discurso político actual, e de firmeza de convicções, também não muito comum hoje em dia. Mesmo Pablo Iglesias, num raro lapso do seu sectarismo crónico, descreveu o discurso do seu adversário como “brilhante”, qualificativo que adequadamente o descreve.

Na sua intervenção, Casado expressou um rotundo não a entendimentos políticos com o VOX, expondo com total clareza o muito que diferencia o seu partido do partido de Santiago Abascal.

Vertebrando o seu discurso em sucessivos paralelismos entre o VOX e a coligação de Governo, no seu radicalismo e na sua concepção binária e agressiva da política, causadora de divisões que dificultam o diálogo entre as forças políticas e polarizam a sociedade, o líder popular reafirmou a fidelidade do PP aos seus valores de sempre: a defesa da unidade de Espanha na sua pluralidade, a moderação e a tolerância no exercício da actividade política, a convicção numa sociedade aberta nos domínios económico e social e o empenhamento no projecto europeu.

Nada disto é defendido pelo VOX, motivo porque um entendimento a nível do parlamento nacional entre os dois partidos é inviável.

Mas é cada vez menos defendido pelo PSOE também, o que compromete o sistema de alternância entre este e o PP, que durante décadas garantiu a estabilidade governativa e o consenso em torno dos grandes temas. Num processo de acostagem à esquerda iniciado por Zapatero e aprofundado por Sánchez com a coligação com o PODEMOS e os entendimentos pontuais com os partidos republicanos e independentistas, o PSOE de hoje está cada vez mais longe do PSOE de Felipe González.

Obcecado com a sua sobrevivência política, Sánchez acentuou, pela esquerda, um processo análogo à radicalização promovida pelo VOX à direita, criando uma situação esquizofrénica ao oferecer ao Reino de Espanha um governo sustentado por aqueles que não querem nem Reino nem Espanha.

Neste inauspicioso contexto de entrincheiramento partidário, o PP assumiu uma posição difícil, porque se arrisca a ficar isolado e com menos hipóteses de ascender ao governo, mas de grande coragem, ao recusar traficar princípios por votos, preferindo ficar sozinho no lado certo da história, do que acompanhado no lado errado.

Assim não pensa certa direita portuguesa, que vê com bons olhos o entendimento do PSD e do CDS com o Chega nos Açores, com vista à criação de um acordo de direita de âmbito regional que abra espaço a uma futura frente a nível nacional, para combater a frente de esquerda. Esquecendo que a esquerda radical portuguesa não é igual à espanhola, porque aprendeu a sua lição no 25 de Novembro, e que António Costa dificilmente a integrará no Governo, como fez Sánchez, está disposta a vender a alma a André Ventura, o que Casado liminarmente recusou fazer com Abascal.

O poder, quando conquistado com o penhor dos princípios, faz daquele um fim em si mesmo e não – como devia sê-lo – um meio.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.