A criação de novas províncias e o sistema eleitoral angolano (II)

Qualquer alteração que aprofunde a crise do princípio de proporcionalidade deve ser evitada ou declarada inconstitucional. Ou então, alterar o princípio representativo proporcional, tal como decidiu o Tribunal Superior Alemão.

O limite constitucional deve ser o da preservação do princípio de proporcionalidade em Angola, à semelhança do que sucede nos casos alemão e português. O Estado angolano, do ponto de vista constitucional, decidiu por uma democracia representativa proporcional, visando incentivar uma representatividade política e uma maior integração social (de género, étnica e linguística), através de um elevado número de partidos.

O modelo democrático inscrito na Constituição de 2010 tem um conteúdo histórico e político próprio, assente, sobretudo, na premissa de Stuart Mill, segundo a qual “uma maioria de eleitores deve ter sempre uma maioria de representantes; uma minoria de eleitores deve ter uma minoria de representantes”. Porque, segundo Mill, “em qualquer democracia realmente igual, todo ou qualquer sector deve estar representado, não desproporcionalmente, mas proporcionalmente. É, por isso, sempre importante questionar a bondade das propostas de criação de duas províncias pelo Governo angolano.

O mesmo Governo, através do Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, sustentou que a Divisão Político-Administrativa (“DPA”) se deve ao crescimento populacional, à extensão territorial do país e ao combate de assimetrias sociais e económicas verificadas no país.

A proposta apresentada não demonstra qualquer preocupação com o impacto da reforma sobre a proporcionalidade do sistema, o que afecta directamente o conteúdo da democracia proporcional. Porquanto a proposta visa assegurar ganhos políticos e eleitorais, o que acaba por ser natural na perspectiva de uma força partidária.

Cabe, assim, ao Tribunal Constitucional Angolano (TCA) estabelecer o limite de tais ganhos e defender a integridade principológica da CRA, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo da democracia representativa proporcional.

Caso o TCA aceite tal proposta sem quaisquer limites, será viabilizada uma solução injusta que permitirá que uma minoria representativa de 37% de eleitores (inscritos ou votantes ou votos válidos) obtenha uma maioria representativa de mais de 111 deputados. Ou seja, os grandes círculos eleitorais (Luanda, Huíla, Benguela e Huambo) não conseguem eleger os deputados de acordo com a sua representação populacional efectiva.

Importa relembrar que desde o clássico debate da época de Edmund Burke e de Mill sobre a representação, a democracia proporcional objectiva assegurar que uma maioria sociológica não se sente frustrada, do ponto de vista representativo, impedindo-se a erosão da própria democracia. Assim, a DPA não deve poder aumentar a desproporcionalidade dos grandes círculos eleitorais.

Se assim for, a democracia representativa proporcional dará lugar a uma democracia representativa maioritária, um sistema no qual uma minoria populacional passa a governar uma maioria eleitoral.

No caso angolano, estamos, sim, em presença de um sistema de representação maioritária devido à malapportionment (má distribuição de mandatos). O sistema de duplo círculo resulta da combinação de um círculo provincial, com cinco deputados por província, com um círculo nacional, com 130 deputados, que é incapaz de compensar a desproporcionalidade causada pelos pequenos círculos de cinco deputados.

Neste sentido, qualquer alteração que aprofunde a crise do princípio de proporcionalidade deve ser evitada ou declarada inconstitucional. Ou então, alterar o princípio representativo proporcional, tal como decidiu o Tribunal Superior Alemão. Mas, no caso angolano, essa alteração parece-nos distante, porque iria pressupor uma revolução constitucional em Angola.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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