O Presidente da República terá ficado furioso com a divulgação da lista dos novos ministros na comunicação social. Marcelo está certo, evidentemente; o Chefe do Estado deveria ter sido o primeiro a ser informado sobre a composição do novo Executivo.

Porém, a reação do Presidente à fuga de informação foi algo exagerada, o que talvez se explique pela aparente crise existencial em que caíu na noite de 30 de janeiro. E provavelmente este tipo de minicrises – ou “irritante” – entre Belém e São Bento tornar-se-ão frequentes nos próximos anos, à medida que o hiperativo Marcelo se veja reduzido a um papel quase cerimonial.

De resto, não deixa de ser irónico ver o protagonista do célebre caso da vichyssoise – e mil e um outros episódios divertidos – incomodado com fugas de informação. Ao longo dos últimos seis anos, vimos jornais de referência fazerem manchetes com os mais diversos recados de Belém, do género “Marcelo quer”, “Marcelo convicto” ou “Marcelo força acordo”, entre outras mensagens que foram passadas por fontes aparentemente bem informadas, sem que o Chefe do Estado manifestasse o menor desconforto com isso.

Já para não falar de algumas revelações que são feitas regularmente por comentadores televisivos vistos como próximos de Marcelo e que têm por hábito divulgar informação relevante em primeira mão.

A vitória esmagadora de António Costa nas recentes eleições legislativas, com uma confortável maioria absoluta, parece ter tornado menos frequente este tipo de manchetes. Até 30 de janeiro, Costa precisava de Marcelo e inclusive alimentava-se da sua popularidade e prestígio, como se viu nos dias que se seguiram à tragédia de Pedrógão Grande. O Presidente desempenhava um papel central, pois era mais do que um mero árbitro ou moderador. Era um player ativo, ao ponto de alguns críticos do seu próprio partido lhe chamarem “chefe de fação”.

Mas as circunstâncias mudaram e agora Costa bem pode dormir descansado perante as irritações e humores de Marcelo. Ser-lhe-á quase indiferente aquilo que o Presidente pense, embora não o seja aquilo que o popular Marcelo diga em público. Não por acaso, na noite eleitoral um jornalista perguntou ao primeiro-ministro se Marcelo seria o “garante da Constituição” durante a maioria absoluta do PS. António Costa respondeu que ele próprio será o primeiro garante da Constituição e que o Presidente irá com certeza respeitar o que está prescrito no documento fundador da nossa democracia. Para bom entendedor, meia palavra basta.

A grande incógnita reside em saber se Marcelo conseguirá adaptar-se a esta nova realidade em que deixou de estar no centro do jogo político.

Teremos um Presidente que procurará exercer a sua magistratura de influência com uma postura mais interventiva e crítica do Executivo, à semelhança do que fez Mário Soares nos anos do cavaquismo? Centrar-se-á na política dos afetos, arte em que é exímio e graças à qual logrou reconciliar os portugueses com a Presidência? Ou irá Marcelo – “um catedrático que não é catedrático, um jornalista que não é jornalista, um político que não é político”, nas palavras de Portela Filho – deixar transparecer ainda mais a sua veia de comentador?

O futuro dirá, se as primeiras páginas de alguns jornais não permitirem adivinhar as respostas antes.