Estou farto de ler nos jornais que “o BCE se prepara para injetar novo dinheiro na economia para afastar o perigo de deflação da Zona Euro”. A ideia que impera entre economistas é mesmo essa: a de que se os preços gerais dos bens e serviços de uma economia começassem a descer seria “terrível” para o país, pois as pessoas iriam adiar o seu consumo eternamente, na esperança de que os preços dos produtos fossem descer ainda mais – fazendo com que, através da falta de consumo, o mercado estagnasse de tal forma que esta tal espiral deflacionista afundasse a pátria.
Vejamos três vias para refutar esta ideia: 1) através da natureza humana; 2) através do registo histórico-económico; 3) através do mercado de smartphones (não, esta última não era uma piada).
Natureza humana: como seria possível o José adiar infinitamente o consumo de bens essenciais, como a comida, a bebida, a água, a luz, a saúde, a segurança, ou até mesmo a educação dos seus filhos? Como seria possível para o José, que talvez até precisa de um carro para se deslocar para o trabalho, ou de uma persiana para o seu quarto, abdicar eternamente do seu veículo ou do prazer necessário de conseguir dormir à noite, com a ambição de uma possível descida de preço desses bens? São meros exemplos que apenas demonstram a demagogia conveniente deste argumento: não é possível adiar o consumo de todos os bens e serviços, dada a condição humana real.
Registo histórico-económico: os EUA viram no final do Séc. XIX/início do Séc. XX o período do seu maior crescimento (sustentável) de sempre, graças ao livre-mercado e à reduzida intervenção do governo federal, principalmente. Adivinham qual era a taxa de inflação dos EUA à época? Era negativa, ou seja, havia deflação. Essa deflação foi originada pelos ganhos de produtividade, provenientes do aumento de capital circulante na própria economia americana, aliados à inovação. As empresas americanas passavam a gastar menos dinheiro para produzir maiores quantidades de bens e serviços, fazendo descer o preço de venda dos produtos. Isto sem que houvesse um significativo aumento correspondente na quantidade de moeda em circulação no país. Os EUA tiveram deflação considerável. Ficaram pior? Não. Pelo contrário. Se o preço das coisas diminuiu, os seus cidadãos obtiveram assim maior poder de compra. Uma melhor qualidade de vida surgiu, naturalmente.
Por fim, o caricato mercado dos smartphones: já repararam no comportamento do preço dos telemóveis (ou dos equipamentos tecnológicos em geral)? À medida que o tempo passa, o preço dos smartphones diminui, com o aparecimento de novos e melhores modelos. Pegando na pseudo-lógica enunciada no início do artigo: não deveria o mercado dos smartphones ter entrado em declínio há vários anos? Não deveria – permitam-me levar o falso argumento ao extremo – o smartphone ter sido extinto das prateleiras? Não foi… E porquê? Porque existem preferências humanas para o consumo presente. Isto é, o Homem prefere usufruir da utilidade dos bens/serviços “antes” do que “depois”.
A deflação, quando é consequência de aumentos de produtividade, significa que conseguimos reduzir o preço das coisas que compramos. Aumentar a quantidade de moeda em circulação com vista a combater a deflação, para além de distorcer os preços relativos dos produtos e de agravar os ciclos económicos, não resolve problema nenhum, pois o “perigo” de deflação não é um perigo: é uma bênção. Essa mesma “impressão” de novo dinheiro é defendida por demagogos, incautos, ou simplesmente por políticos desejosos de ter mais poder de endividamento.
Está na hora de acordarmos e de vermos para além das falácias do status quo. Há mesmo vida para além dos economistas defuntos.
Guilherme Marques da Fonseca
Vice-Presidente do Instituto Ludwig von Mises Portugal