Na passada quinta-feira os eleitores britânicos foram chamados às urnas para escolherem o próximo Parlamento de Westminster.

Mais do que de umas eleições gerais antecipadas, o que esteve em cima da mesa foi um novo pronunciamento popular sobre a permanência do Reino Unido na União Eu­ropeia que confirmasse ou infirmasse os resultados do referendo de 2016 que conduziram o país e a União para uma espiral de irracionalidade que tem marcado os últimos três anos e meio, tanto da vida política interna do Reino quanto do seu relacionamento com a União Europeia.

E a grande lição que saiu deste sufrágio, e que pela sua dimensão não com­porta qualquer outra leitura, é que desta vez, de forma inequivocamente clara e, inclusi­vamente, mais taxativa do que em junho de 2016, os britânicos falaram e disseram (no­vamente) que queriam sair da União Europeia.

É a renovação de uma mesma resposta que merece todo o nosso respeito democrático. Mais do que nunca existirão condições políticas ideais para Boris Johnson desenvolver o seu programa e levar por diante este seu obje­tivo central – retirar o Reino Unido da União Europeia no próximo dia 31 de janeiro de 2020, como o próprio esclareceu logo no dia a seguir a estas eleições.

Com os resultados eleitorais já devidamente analisados e escalpelizados, e para além do principal dado referido, cremos ressaltarem deste ato eleitoral três outras grandes conclu­sões.

Em primeiro lugar, o reforço e a legitimação democrática de Boris Johnson – tanto da sua pessoa quanto da sua política. Johnson, descredibilizado durante meses a fio, enca­rado com desconfiança geral fora do Reino Unido, alcançou o cargo de primeiro-ministro através dos mecanismos internos de escolha do partido Conservador e sem se ter subme­tido ao veredicto popular quando se tratou de encontrar um sucessor para Theresa May.

Desta feita, e desde a passada quinta-feira, Johnson não só está legitimado democratica­mente como se encontra amparado por uma enorme e reforçada maioria absoluta com 365 deputados, números que os Conservadores já não conheciam desde os tempos de Marga­ret Thatcher. Esta ampla maioria legitima-o a levar por diante o seu programa político, centrado na concretização do Brexit o mais rapidamente possível, por muito erróneo que esse caminho nos possa parecer e por muito que estejamos convencidos de que, mais tarde ou mais cedo, os britânicos se irão arrepender da opção feita.

Mas foi, reconheçamo-lo, o caminho que os britânicos quiseram definir, inclusivamente de foram mais expressiva do que o haviam feito quando forma chamados a pronunciar-se no referendo convocado por Cameron. Exige-se, pois, e impõe-se, que a sua vontade seja respeitada, sobretudo agora quando, ao fim de três anos e meio de sucessivos avanços e recuos, se expressaram da maneira que o fizeram.

Em segundo lugar, o descalabro eleitoral trabalhista protagonizado por Jeremy Corbyn. Corbyn encostou o Partido Trabalhista o mais à esquerda possível do panorama político britânico. Restaurou, inclusivamente, a forte influência dos sindicatos no partido, algo a que Tony Blair tinha colocado um ponto final. Esta radicalização trabalhista teve como consequência a obtenção dos piores resultados desde a Segunda Guerra Mundial.

Em mais de 80 anos nunca os trabalhistas elegeram tão poucos deputados para a Câmara dos Co­muns. Ao perder e abandonar o centro político, Corbyn perdeu as eleições de forma ina­pelável e perdeu a liderança do partido. Já anunciou que no início de 2020 deixará a lide­rança partidária. E isto num momento em que o que os conservadores já levam muitos anos no poder e o seu rival direto era Boris Johnson. Ou seja, nem soube aproveitar o tempo que esteve na oposição nem soube explorar as debilidades do seu opositor.

Em terceiro lugar, a reabertura do problema escocês. A Escócia, de uma forma geral, votou rigorosamente ao contrário do resto do Reino Unido – o Partido Nacional Escocês elegeu 48 deputados, contra apenas 6 dos Conservadores, 4 dos Democratas Liberais e 1 dos Trabalhistas. E se o resultado eleitoral geral nos permite antever a resolução do pro­blema político do Brexit, a utilização do mesmo método de análise permite considerar a hipótese de se voltar a colocar a “questão escocesa” no quadro da política britânica.

A líder dos nacionalistas escoceses, Nicola Sturgeon, que é também primeira-ministra do Governo da Escócia, não perdeu tempo a afirmar que “a Escócia enviou uma mensagem muito clara: não queremos um Governo de Boris Johnson, não queremos deixar a União Europeia e queremos que o futuro da Escócia fique nas mãos da Escócia”. É certo que dependerá de Johnson a autorização para os escoceses realizarem um novo refe­rendo independentista, e o reeleito primeiro-ministro já por diversas vezes esclareceu que não iria autorizar que tal sucedesse.

Mas, em seu tempo, David Cameron de má memória tinha afirmado o mesmo, e os resultados foram os que se conhecem, com o referendo que se realizou a 28 de setembro de 2014. Daí que, sem antecipar que tal questão se possa colocar num futuro relativamente curto ou imediato, parece incontornável que, mais tarde ou mais cedo, britânicos e escoceses voltarão a ter de dirimir esta questão, sendo certo que tal calendário se poderá acelerar a partir do momento em que o Brexit se concretizar.

Boris Johnson logrou alcançar nestas eleições a grande desforra política que vinha perse­guindo. Não cremos que isso faça de si um grande estadista ao nível de outros grandes que o Reino Unido já teve. Mas dá-lhe uma inequívoca força política e legitima o seu programa político e o seu grande objetivo.

Doravante, assim se crê, o Reino Unido e a União Europeia farão os respetivos caminhos de forma paralela e independente. Nenhum dos dois, seguramente, irá ganhar com esta opção. Mas, pelo menos, existirão as condi­ções políticas para o “dossiê Brexit” se encerrar a curto prazo e a União poder dedicar-se a outros e novos objetivos, designadamente o cumprimento da ambiciosa agenda polí­tica da nova presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen.