A pandemia induziu mudanças substanciais nos comportamentos e hábitos de consumo dos portugueses. De acordo com dados do portal SIBS Analytics relativos aos primeiros 100 dias de pandemia, realizaram-se em Portugal menos 200 milhões de transações com cartões, o que se traduziu em oito mil milhões de euros de transações não realizadas.

Neste mesmo período, as compras efetuadas focaram-se principalmente em bens essenciais. Estes dados são consistentes com a realidade vivida no mundo físico: lojas e centros comerciais encerrados, pessoas confinadas, índices de confiança em mínimos e a parcimónia de comportamentos de consumo que a prudência recomenda tendo em conta o contexto.

No entanto, e durante este mesmo período, verificou-se um incremento da utilização do serviço MB Way, motivado sem dúvida pela suspensão das comissões bancárias, bem como das transações com cartões contactless, potenciado pelo aumento do limite máximo por transação para os 50 euros, agora tornado definitivo.

Mas se no mundo físico a quebra foi brutal, no mundo digital, apesar de uma quebra nas transações de 17%, esta foi muito menos significativa, aumentando o peso específico do digital, no total de transações realizadas, o que indicia um processo gradual, e cada vez mais sustentado, de transferência do físico para o digital.

Todos estes dados de pagamentos constituem claramente novos e relevantes indicadores do estado da economia e do consumo, de relevância macroeconómica, que importa recolher, tratar e monitorizar. A correlação entre o parque de TPA (Terminais de Pagamento Automático) com tecnologia contactless (sim, ainda existem muitos não compatíveis), as vendas de smartphones e wearables compatíveis com wallets digitais e o número de caixas Multibanco (ATM) vão ser muito importantes para perspetivar o futuro da economia.

Noutro plano, assiste-se ao aumento do número de devices, wearables e wallets de pagamento e à corrida dos principais bancos para garantir uma parceria que lhe acrescente valor e inovação no serviço aos clientes: com a Apple Pay o Crédito Agrícola foi pioneiro entre os bancos nacionais, seguiu-se o Millennium BCP. Já o Banco Santander anunciou uma parceria com a Garmin e com a Fitbit e estará a preparar a associação à Apple Pay.

Se a estes juntarmos o Revolut ou o N26, entre outros, percebe-se que os pagamentos contactless através de wearables ou smartphones utilizando tecnologia NFC (Near Field Communication) começam a ganhar espaço em Portugal. São seguros, cómodos e pessoais. Revestem-se de alguma gameficação: vou correr, mas posso pagar uma água no fim da corrida, com o meu smartwatch, enquanto consulto os dados da corrida, tempo, calorias, ritmo cardíaco, etc. E alguns podem ser usados no mundo físico e no digital. Se os cartões de pagamento substituíram o dinheiro, os devices e as apps vão substituir os cartões físicos.

O WhatsApp, empresa controlada pelo Facebook, anunciou recentemente que o Brasil será o primeiro país a receber uma nova funcionalidade, que permite o envio e recebimento de dinheiro e pagamentos de produtos e serviços para contas WhatsApp Business. Entretanto, o banco central e a autoridade local da concorrência anunciaram a suspensão do serviço, por questões de concorrência, uma vez esta funcionalidade traria ao acquirer do Whatsapp Business uma posição ainda mais dominante no mercado.

Smartphones, wearables, apps, wallets digitais de bancos, de BigTechs ou de empresas de retalho alimentar ou de combustível – o futuro dos pagamentos está claro e cada vez mais disponível. A maior generalização da sua utilização é apenas uma questão de tempo e os dados assim o indicam.

O próximo grande passo será a utilização de tokens de pagamento, em que os dados de conta de pagamento ou de cartão são convertidos num conjunto de números aleatórios, praticamente imune a fraude. Mas, neste contexto, imaginemo-nos a efetuar um pagamento utilizando, por exemplo, a Chave Móvel Digital ou a App Authenticator do Facebook.

A tecnologia existe e já se encontra disponível, e a licença bancária para instituição de moeda eletrónica com sede na União Europeia em regime de livre prestação de serviços também. Faltava a circunstância adequada e a pandemia acabou de a criar.