Mohsen Fakhrizadeh, diretor do programa nuclear iraniano, é o quinto cientista nuclear iraniano morto desde 2010. Só em 2020, foram mortos três altos dignitários iranianos. Fakhrizadeh é o segundo, depois do General Qassem Soleimani ter sido assassinado em Bagdade, em janeiro deste ano, no seguimento de um ataque aéreo autorizado pelo presidente Trump.

Mesmo não estando na posse de toda a informação sobre o ataque em que pereceu Fakhrizadeh, é possível identificar o mentor. Ao contrário de outros casos que têm vindo recentemente a lume e que têm gerado imensa verborreia, neste perdedores e ganhadores estão perfeitamente identificados. Parece não restarem muitas dúvidas sobre os autores deste e dos outros atentados referidos.

É esclarecedora a ausência de condenação por parte de Israel e da Administração Trump. Trump aprovou implicitamente o assassinato ao republicar na sua conta do Twiter um comentário de um jornalista israelita que considerou a morte de Fakhrizadeh “um grande golpe psicológico e profissional para o Irão”. Por seu lado, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu já tinha identificado publicamente Fakhrizadeh como uma ameaça existencial ao Estado israelita, não escondendo que o queria ver morto.

Não podemos deixar de nos interrogar porque é que 2020 tem sido um ano tão fértil em acontecimentos desta natureza, em particular este ocorrido depois da derrota eleitoral de Trump. A resposta parece óbvia. Netanyahu sabe que a morte de Fakhrizadeh não parará o programa nuclear iraniano. Existe, contudo, em Telavive, e muito provavelmente em Washington, a esperança de que Teerão retalie.

A acontecer, Trump teria um excelente pretexto para atacar massivamente as instalações nucleares iranianas, ainda antes da tomada de posse do presidente eleito Joe Biden, em janeiro de 2021, que já declarou pretender retornar ao acordo sobre o programa nuclear iraniano de que os EUA se desvincularam em 2018. Por isso, não será de excluir até lá a possibilidade de ocorrer mais algum incidente semelhante. Teerão irá vociferar, mas a sua reação não passará disso. Além de atores racionais, os Aiatolas são gente experiente que não cairá na armadilha. Perdem menos se ficarem quietos.

O acontecimento representa uma falha grave da contrainteligência iraniana. O ataque terá sido perpetrado por um dos grupos de oposição ao regime que operam no país, mas que são treinados e financiados a partir do exterior, por quem alimenta a esperança de uma operação de mudança de regime em Teerão.

As reações de alguns países e organizações internacionais foram surpreendentemente brandas, o que é grave dadas as consequências que um incidente desta natureza pode ter. O apelo a “todas” as partes para permanecerem calmas e exercerem o máximo de contenção para evitar uma escalada que não é do interesse de ninguém”, coloca vítima e agressor no mesmo saco, esquecendo-se de condenar o terrorismo de Estado e os assassinatos extrajudiciais como um comportamento reprovável, sobretudo quando praticados por democracias.

A resposta medrosa e frouxa encoraja a que haja no seio das elites políticas israelitas quem considere sem pudor o assassinato de Fakhrizadeh uma ação legítima. O repúdio destas práticas tem de ser veemente independentemente do autor. Não pode haver dois pesos e duas medidas nesta matéria.