Numa recente visita a Bilbau, não quis perder a oportunidade de visitar o Museu Guggenheim, uma das grandes atrações turísticas da cidade. Há muito tempo que não me sentia turista numa outra cidade, especialmente após o início da pandemia. Mas desejava regressar a esse estado livre de deambular por outra cidade que não fosse portuguesa e de tentar vislumbrar o a sua identidade e dia a dia. Para mim, todas as cidades europeias são diferentes e iguais ao mesmo tempo. Não é o mesmo choque cultural que sinto de cada vez que visito o Médio Oriente.

Muito à semelhança do Alto Minho, Bilbau é uma cidade rodeada de colinas verdes que espreitam por detrás de cada prédio. A ria de Bilbau separa a cidade velha, conhecida como “Casco Viejo”, da parte mais moderna, o “Ensanche”. Mas é a estrutura arquitetónica impressionante do Guggenheim que domina a cidade, o epicentro em torno do qual se desenrola grande parte da atividade turística.

Os museus são sempre um espaço seguro, que me deixa feliz e confortável. Adoro ler as legendas e folhas de sala e compreender como as vidas e obras dos artistas de séculos passados refletem a turbulência social e histórica do seu tempo. Um dos artistas exibidos no Guggenheim é Oskar Kokoschka, o pintor austríaco expressionista que, na sua juventude, foi alvo do regime nazi, que o designou como “artista degenerado”. Exilado em Praga, e mais tarde no Reino Unido, a obra de Kokoschka nunca deixou de  expressar a sua resistência ao fascismo.

Tive ainda acesso à arte surrealista de Joan Miró, que ecoa outros combates do seu tempo, como a guerra civil de Espanha e as lutas entre republicanos e franquistas, bem como as suas viagens por uma Europa subjugada por fascismos. São artistas que acabam por estar em diálogo uns com os outros, atravessando os dramas de cada uma das suas nações.

Também há artistas contemporâneos. Yayoi Kusama é um nome que me persegue ultimamente. Por alguns minutos, pude espreitar uma das suas salas de espelhos infinitos, que permite à artista japonesa expressar o seu desejo de pura felicidade humana através da arte. Pensava eu que desconhecia Kusama, mas afinal vi a sua obra inúmeras vezes desde a adolescência. Sempre que saía da estação de metro Oriente, em Lisboa, e fitava o mural artístico numa das paredes, estava na verdade a olhar para uma obra de Kusama, comissionada por altura da Expo 98. Lá está, todas as cidades europeias são, ao mesmo tempo, diferentes e iguais.

Percorrer este velho continente europeu, tão acossado por múltiplos eventos, conflitos, é compreender como está assombrado pelos fantasmas das suas identidades. Escrevo esta crónica precisamente no dia em que se celebra o centenário do nascimento de Eduardo Lourenço, o pensador e ensaísta português que soube desenvolver um pensamento singular sobre a Europa, como poucos. Aliás, há décadas que Eduardo Lourenço alertara já para as fraturas de novos nacionalismos emergentes, num contexto de profundas desigualdades sociais, económicas e culturais.

Não tenho caracteres suficientes para desenvolver o pensamento profundo, certeiro e até inspirador de Lourenço, numa crónica. O pouco que posso fazer é incentivar a leitura dos seus ensaios e artigos, hoje mais relevantes do que nunca. E talvez possamos encontrar conforto nessas tentativas de diálogo que procuram retirar o melhor das identidades europeias, em vez do seu pior.