Nos Estados Unidos persiste o mito de uma certa “excepcionalidade” americana, apesar da relativa decadência da superpotência nos últimos anos e do abanão que a era Trump representou para a credibilidade do país no plano internacional. Os americanos veem-se a si mesmos como um país à parte, nascido de uma revolução que deu à luz a primeira constituição que defendeu princípios que hoje damos como adquiridos, como a liberdade de expressão e de consciência, a igualdade perante a lei e a separação de poderes. Este “excepcionalismo” assenta também na crença de que os EUA têm a missão de transformar o mundo, exportando o american way of life.

Portugal também tem a sua própria excepcionalidade, que consiste em acreditarmos, de forma quase automática, que os outros são sempre melhores que nós. Ao contrário dos nossos vizinhos espanhóis, que têm autoestima para dar e vender, nós portugueses precisamos de acreditar mais em nós próprios. À primeira vista isto pode parecer conversa extraída de um qualquer livro barato de autoajuda, mas é um problema sério que nos prejudica enquanto povo.

Lendo e ouvindo algumas análises, ficamos com a ideia de que vivemos no pior país do mundo. O mais corrupto, o único onde existem “cunhas” e compadrios, com uma Justiça lenta e políticos mais preocupados em alimentar as suas clientelas do que em defender o interesse público. Um país irreformável e irrespirável, onde eternamente se adiam as medidas salvíficas que o tornariam mais competitivo, um pântano onde reinam os medíocres e de onde fogem os melhores. Um país dependente do Estado, eternamente deficitário e desigual, agarrado a uma mentalidade paroquial e sem uma sociedade civil forte. Alguns opinadores repetem tanto estas ideias que certas crónicas, se fossem impressas e dobradas em dois, escorreriam fel.

A questão não é Portugal ter ou não estes problemas. Claro que tem um pouco de tudo isto. E Portugal poderia ser um país mais avançado, do ponto de vista social e económico, se conseguisse livrar-se de muita desta carga. Só um cego não vê isso. Mas não é preciso exagerar: Portugal não é o único país da Europa com este tipo de problemas. Até os países nórdicos, como a Suécia ou a Islândia, tiveram colapsos bancários e escândalos de corrupção nos últimos anos (a diferença face a Portugal estará sobretudo na rapidez da Justiça e no nível de tolerância social face a esses fenómenos, mas isso já é outra discussão).

Não se trata de acreditar que tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis, qual Pangloss, mas de ser realista. Devemos ser exigentes com o nosso país, mas não podemos deixar de reconhecer aquilo que fazemos bem. Quer exemplos? O trabalho fantástico que o Serviço Nacional de Saúde realizou nas últimas décadas, na redução da mortalidade infantil e no aumento da esperança de vida. A reduzida taxa de criminalidade, a tolerância (quase generalizada) face à diferença e a liberdade religiosa e de consciência, que tornam Portugal um país cada vez mais apetecível para muitos estrangeiros que aqui decidem viver e investir.

Eduardo Lourenço escreveu que Portugal deve ser visto “tal como foi e é, apenas um povo entre os povos. Que deu a volta ao mundo para tomar a medida da sua maravilhosa imperfeição.” Portugal tem muitos problemas e há que os resolver, mas de nada serve ver sempre o copo meio vazio. Já o contrário, se assente em bases realistas, permite sonhar, arriscar e andar para a frente, apesar das nossas imperfeições.