A educação e, em particular, a escola pública são temas que me são muito caros por considerar que são os únicos mecanismos efetivos de mobilidade social. Por esse motivo, fico muito incomodada quando ouço alguns a, demagogicamente, defenderem que as famílias devem ter “liberdade” de escolha e poderem, pago pelo Estado, inscrever os seus filhos nas escolas privadas que providenciam (segundo os próprios) uma muito melhor educação. O argumento é sempre o mesmo: “veja-se os rankings, veja-se as notas dos exames!”.

Há dois pontos completamente falaciosos neste discurso: 1) as escolas privadas educam melhor; 2) com um mecanismo do tipo cheque ensino todos teriam igual acesso a estas escolas de topo.

Comecemos pelo primeiro ponto. Não existe nenhuma evidência que os colégios privados preparem melhor os alunos, pelo contrário. Tenho a certeza de que se os rankings fizessem o esforço de analisar as notas por percentil de rendimento chegariam à conclusão de que os 1% mais ricos das escolas públicas teriam as mesmas notas, senão melhores, do que os alunos do privado. A correlação entre os resultados nos exames e o rendimento dos pais deve ser próxima de 1 e, por isso, os colégios com um universo de alunos com pais em classes de rendimento médio alto ou mesmo alto têm sempre melhor performance.

A comprovar este facto está a comparação entre escolas públicas inseridas em bairros mais ricos ou mais pobres. Um exemplo no Porto: as duas melhores escolas públicas nestes famosos rankings, são sistematicamente a escola Clara de Resende e a escola Garcia da Orta. Ambas ficam no eixo Boavista/Foz onde se concentra o maior nível de rendimento da cidade. Sem qualquer desprimor para qualquer uma das escolas, não me parece razoável achar que os miúdos mais inteligentes e trabalhadores da cidade vivem todos na Boavista!

Da mesma forma, se olharmos para os privados e para a sua inserção geográfica chegamos a exemplos semelhantes. O colégio dos Jesuítas em Cascais, o S. João de Brito, classificou-se em 11º lugar no ranking de 2020; já o seu congénere em Santo Tirso, o Instituto Nun’Alvares, classificou-se em 133º. Os maiores rendimentos, com o consequente maior acesso a cultura, a apoio em casa, a explicações privadas (sim, porque muitos destes alunos que frequentam os colégios e as boas escolas têm ainda acesso a explicações individuais) são determinantes no sucesso dos estudantes.

Quanto ao ponto 2) a falácia ainda é maior. Os colégios que estão nos tops dos rankings têm já, na sua maioria, enormes listas de espera. Isto significa que eles podem escolher os alunos que admitem. Fazem-no com base nas notas do ciclo anterior e, frequentemente, com base em entrevistas. Ou seja, selecionam os alunos que garantem que, mais facilmente, se mantêm nos rankings.

Alguém acredita que o perfil de alunos escolhidos mudaria só porque o Estado estaria disponível para pagar a inscrição de todos no privado? Acresce que o perfil dos pais que têm acesso à informação que permite uma escolha com base nos rankings não muda por se ter ou não cheque ensino, ou seja, quem escolheria os privados seriam os mesmos pais que já os escolhem. Eventualmente acrescentaríamos uma classe média que tem acesso à informação, mas que não tem, neste momento, capacidade financeira para optar pelos colégios. A consequência seria que esvaziaríamos, tendencialmente, as escolas públicas da diversidade de alunos que é o mecanismo mais real de integração e mobilidade.