A guerra na Ucrânia começou há duas semanas e ninguém sabe como irá terminar, mas os seus impactos na frente económica começam a ser visíveis, com o aumento acentuado dos preços da energia, dos cereais e de outras matérias-primas.

As consequências económicas desta guerra serão profundas e, ao que tudo indica, terão uma natureza estrutural, sendo de prever que se façam sentir durante muito tempo, enquanto o Ocidente e a Rússia estiverem de costas voltadas.

A invasão da Ucrânia pela Rússia foi um momento de viragem semelhante ao 11 de setembro de 2001, ou à queda do Muro de Berlim, na medida em que originou um realinhamento estratégico a nível global, com profundas consequências para o processo de globalização que muitos julgavam inevitável.

Estamos a assistir ao surgimento de um mundo dividido em dois grandes blocos: de um lado estão os EUA, o Canadá, o Reino Unido, a União Europeia, a Austrália, a Coreia do Sul e o Japão; do outro estão a Rússia, a China e um punhado de aliados espalhados pelo globo, como o Irão, a Venezuela e a Coreia do Norte. No meio encontram-se as potências “não alinhadas”, como a Índia, a África do Sul, o Brasil e as nações sul-americanas, que deverão jogar com os dois blocos conforme lhes for mais vantajoso.

Ao contrário do que sucedia durante a Guerra Fria, embora existam conceções ideológicas opostas, não está em causa a conquista da hegemonia mundial por parte de determinada ideologia, mas sim o controlo da Eurásia e dos seus gigantescos recursos naturais, de alguns mercados estratégicos, de vias marítimas essenciais e do próprio espaço.

Neste contexto, o processo de globalização a que assistimos desde os anos 90, em que todos faziam negócios com todos, independentemente das diferenças e rivalidades, será substituído por uma globalização com várias vias, na qual só poderá fazer parte do clube quem cumprir determinadas condições. Esta tendência já se fazia sentir antes da pandemia, com a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, mas acentuou-se com a Covid-19, que convenceu o Ocidente a reduzir a dependência face à Ásia e a encurtar as cadeias de abastecimento. Tornou-se agora inevitável com a invasão russa da Ucrânia e as poderosas sanções que os EUA e a Europa aplicaram ao regime liderado por Vladimir Putin.

Para Portugal, este mundo novo que está a emergir traz os mais diversos desafios, mas também algumas oportunidades. Por exemplo, a nível da captação de investimento na indústria, numa altura em que as multinacionais ocidentais procuram encurtar cadeias de abastecimento. Outro exemplo será o potencial de Sines como eventual porta de entrada do gás natural vindo dos EUA para reduzir a dependência europeia face à Rússia.

Por outro lado, poderá haver consequências a nível de algum investimento estrangeiro em Portugal, nomeadamente do chinês. A eficácia e a abrangência das sanções aplicadas à Rússia e aos seus oligarcas não deverão passar despercebidas a Pequim. O que aconteceria aos investimentos chineses em Portugal e no resto da Europa se, por exemplo, Xi Jinping decidisse invadir Taiwan?