Durante os últimos meses, a guerra, que ainda não aconteceu como tal, passou a ser um produto difundido nos canais televisivos, inclusive em canais portugueses. O que nos aproxima da ideia segundo a qual a guerra pode ser vista, actualmente, como um instrumento político ou, como sintetizou Clausewitz, “a guerra é a continuação da política por outros meios”.

Para a efectivação da guerra torna-se sempre necessário uma organização da violência. Pensa-se hoje que a guerra pode ser perspectivada como um produto televisivo que alimenta uma narrativa bélica, o que obriga também a uma organização da televisão para vender este produto, através do envio dos seus correspondentes para cobrirem uma guerra por existir ou prestes a acontecer. Enquanto nos estúdios das televisões, os canais recorrem à ajuda dos especialistas em relações internacionais e geoestratégia.

Ao vender a guerra como um mero produto ou conteúdo televisivo, as televisões passaram a tratar a guerra como um produto semelhante aos outros produtos. Por isso, não estão aptos a questionar as causas reais de um evento desta natureza ou a sujeitar este acontecimento a um julgamento moral, o que deve, efectivamente, ocorrer quando está prestes a deflagrar uma guerra, em particular pelos danos incomensuráveis que se causam a inocentes.

Mesmo os teóricos da tese da guerra justa, como Michael Walzer, defendem que “a guerra se justifica por vezes, e que a condução da guerra está sempre sujeita à crítica moral”. Sem um limite moral da guerra, os políticos passariam a dispor de uma carta branca para exercer violência sobre  inocentes, por razões ou necessidades de ordem política.

Os canais de televisão são hoje plataformas de produção de conteúdo televisivo, mais do que órgãos de comunicação social ou noticiosos. O que implica, na prática, uma maior preocupação relativamente à concepção de um produto e não tanto no valor de uma determinada notícia.

A guerra e os seus efeitos reais serão vendidos como algo normalizado (ou até banal, em alguns casos) na vida contemporânea, adquirindo, inclusive, uma posição de destaque, enquanto conteúdo apelativo à luz do estádio de desenvolvimento tecnológico actual, que permite uma melhor cobertura da guerra in loco e em tempo real.

É, com base nesta racionalidade económica, de competição, entre os agentes que se dedicam à produção de conteúdos, para a captação de mais espectadores, que devemos compreender a razão das televisões estarem já a veicular uma guerra por acontecer e que assumirá, certamente, contornos mais intensos se ocorrer.

Se a guerra ocorrer, as televisões terão mais um produto para vender aos seus telespectadores, que, mais tarde, poderá também servir de matéria para a produção de filmes de guerra e séries. As imagens de violência difundidas, com recurso à produção televisiva ou cinematográfica, acabam por ser banalizadas e normalizadas, como as de um acontecimento natural, desacompanhadas de qualquer tipo de reflexão, principalmente para um tipo de espectador que nunca teve contacto directo com a guerra e/ou vivenciou o seu impacto real.

Esta transformação da guerra como um mero produto televisivo serve sobremaneira os interesses dos políticos, que deixam de ter os movimentos anti-guerra nas ruas a questionar a guerra enquanto resultado de uma escolha política alimentada pelo desenvolvimento da indústria bélica. O facto, ainda, de a guerra ser veiculada como um mero produto de televisão gera uma percepção equidistante da guerra, não sendo associada a uma acção humana ou a uma escolha política possível de ser evitada, através de uma pressão social forte.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.