O conflito entre as forças militares russas – comandadas por um líder tresloucado que quer ser imperador à custa de milhares de vidas – e as forças militares (e paramilitares) ucranianas – comandadas por um líder conservador-nacionalista agora endeusado pela capacidade de resistência face à invasão russa – tomou conta das nossas vidas. Na televisão, nos jornais, nas rádios ou nas redes sociais digitais o tema único é a guerra. E se o é nos média, é-o, definitiva e permanentemente, nos círculos das relações interpessoais.

O texto que hoje escrevo não pretende desmerecer ou, tão-pouco, diminuir a importância do trabalho arriscado e de serviço público dos/as jornalistas e repórteres de imagem nos locais onde a guerra está a acontecer. Pretende, sim, questionar o tom e a forma destas coberturas.

Começo por uma pergunta de resposta difícil: quando é que perdemos o rumo na prática jornalística, que passou de uma atividade que ajuda os públicos a interpretarem o mundo a partir de relatos de factos e de contextualização desses factos, para um rol de narrativas assentes quase estritamente em emoções?

Ainda o conflito armado não tinha escalado e as primeiras impressões de futuros acontecimentos – período de grande imaginação e de níveis de criatividade assinaláveis, desde os aposentos de um jornalista a uma descrição de um som parecido com uma bomba que afinal era coisa nenhuma – eram a nova ementa dos alinhamentos noticiosos, que esqueceram rapidamente a pandemia, a gripe A ou a (ir)responsabilidade dos governantes, que agora navegavam em águas livres. O constante show business, antecipado por Neil Postman, embrenhou-se de facto no jornalismo: o espetáculo da guerra estava a começar!

O tom sensacionalista – que apela às sensações, ao imediato e aos instintos mais básicos de qualquer ser humano que não esteja fechado na casa do Big Brother – elevou-se desde então. Os relatos são sôfregos, os riscos da proximidade dos locais atacados ou a atacar são assumidos e descritos ao detalhe, os diretos pouco ou nada trazem de noticioso a não ser o que os repórteres estão a sentir (medo e sentido de dever de informar) e as imagens – grande parte recolhidas por pessoas que não profissionais do jornalismo – necessariamente trágicas, chocantes e repetidas até à exaustão (24 horas por dia).

Ora, se o medo convive diretamente com a ideia de guerra às portas da União Europeia, estes relatos em forma de episódios de tragédia novelesca em pouco contribuem para o conhecimento dos factos e em muito ajudam à instalação de uma espécie de pânico coletivo ou de sentimento de culpa por ainda não termos a guerra no nosso canto.

Quanto à forma, e mesmo não sabendo ao detalhe como estarão os outros países a acompanhar este conflito, em Portugal temos tido os canais noticiosos televisivos a colocarem na agenda um continuum de imagens chocantes – que, de tanto passarem, normalizam a desgraça –, levam os repórteres à repetição insana e ao loop de histórias que nos atingem de forma imediata, nomeadamente das milhares de mulheres e crianças em fuga, com as quais criamos laços empáticos e cujos rostos não conseguimos esquecer até adormecer (algo que infelizmente não sentimos de igual modo com refugiadas/os de outros países não-europeus que procuraram refúgio no nosso continente).

Esta não é uma crítica a um conjunto de profissionais que arrisca a vida para nos contar as histórias da guerra. Não. É uma chamada de atenção para uma hipnose contínua de emoções por parte de uma espectadora/leitora/ouvinte que sentiu a necessidade de limitar o acompanhamento noticioso a menos de uma hora por dia. Ou seja: apenas os episódios fundamentais da guerra que, sublinho, nos deve preocupar a todas/os mas apelando à serenidade possível, especialmente nestes tempos turvos. E o jornalismo deve também ter essa função. Porque serenar é bem diferente de hipnotizar.