A hierarquia da Igreja tem as prioridades trocadas

Em qualquer organização, existe a tentação de proteger os “seus”. Mas a Igreja não o pode fazer sem colocar em causa os princípios que justificam a sua existência.

O escândalo dos abusos sexuais por parte de sacerdotes e outros elementos da hierarquia Igreja Católica é uma situação que coloca em causa a própria sobrevivência da instituição como a conhecemos. No século XVI, a questão das indulgências levou ao cisma protestante; hoje, a forma como a Igreja lida com os casos de pedofilia no seu seio pode contribuir para um desfecho semelhante.

Porém, uma grande parte do episcopado português parece não entender isto. A notícia de que algumas dioceses mantêm em funções vários sacerdotes suspeitos de abusarem de menores constitui mais uma machadada na confiança pública na instituição, a começar pela dos próprios católicos portugueses, entre os quais se inclui o autor destas linhas, que não entendem como é que a hierarquia da Igreja demonstra ter as prioridades trocadas perante uma situação tão óbvia para qualquer ser humano decente.

Como o seu fundador, a Igreja devia estar do lado das vítimas, dos pobres, dos excluídos e daqueles que têm sede de justiça, mas não têm voz. Mas a atitude de alguns bispos portugueses nos últimos dias tem sido em sentido contrário. A grande preocupação desses prelados – felizmente, não todos – parece ser proteger os padres acusados de abusos, incluindo um que foi condenado pela Justiça e que hoje tem uma paróquia a seu cargo, segundo noticiou a SIC Notícias.

Obviamente, todas as pessoas são inocentes até prova em contrário e têm direito a um julgamento justo, ainda que estejam em causa os crimes mais hediondos. Mas uma pessoa que tem sobre si tais suspeitas deixa de ter condições para se manter em funções enquanto a situação não for esclarecida. Isto aplica-se tanto a padres como a professores ou educadores suspeitos de abusar de menores ou, num nível de gravidade mais baixo, a políticos acusados de crimes no exercício do cargo.

Se alguns bispos portugueses – contrariando a política de tolerância zero do Papa Francisco – preferem desvalorizar a questão dos abusos sexuais e argumentar que tudo isto é uma espécie de cabala ou ofensiva contra a Igreja, será porque não terão compreendido a dimensão do abismo onde arriscam fazer cair a instituição.

Os verdadeiros inimigos da Igreja Católica não são as forças anticlericais que a atacam por tudo e por nada (umas vezes de forma justificada, outras nem por isso), mas sim aqueles que, no seu seio, negam a justiça e a verdade, permitindo que sejam encobertos e permaneçam impunes os crimes mais abjetos contra crianças indefesas.

Em qualquer instituição, é normal que haja a tentação de proteger os “seus” e de tentar encobrir situações que coloquem em causa a sua imagem pública. Mas, no caso em apreço, a Igreja não pode fazer isto sem colocar em causa os próprios princípios que justificam a sua existência. O grande inimigo da Igreja está no seu seio e quanto mais tarde a hierarquia católica demorar a compreender isto maiores serão os danos.

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