Em 1970, o economista Amartya Sen publicou um artigo na revista “The Journal of Political Economy” intitulado “The Impossibility of a Paretian Liberal”

Nesse artigo, agora um clássico da literatura da Economia das Escolhas Colectivas, Sen demonstra, com um exemplo simples, como se gera uma incompatibilidade entre o princípio liberal de os indivíduos deverem dispor de uma esfera de decisão pessoal acerca da qual a sociedade não pode ter poder de veto, e a preferência da sociedade sobre essas escolhas, mesmo que formada por unanimidade.

Usando o exemplo do romance “O Amante de Lady Chatterley” e uma sociedade constituída por dois indivíduos, um púdico e um libertino, Sen faz a demonstração formal de como a sociedade preferia uma coisa que é contrária à liberdade individual de cada um poder ler o que quiser, e só se quiser.

Este artigo é poderoso, pois demonstra como o critério preferido dos economistas para aferir eficiência (o critério de Pareto) rapidamente choca com o princípio liberal da esfera de decisão pessoal. Ou seja, ao ponderar-se este problema, ou se toma uma atitude liberal, ou se escolhe o critério de Pareto – não se pode ficar com os dois ao construir-se a preferência social.

Tudo isto vem a propósito de uma discussão que está cada vez mais premente em Portugal e que diz respeito à incompatibilidade que existe entre as posições liberal e conservadora, e que muitos, ou não querem ver, ou não conseguem ver.

Com o aproximar do ciclo eleitoral e com o surgimento de novos partidos políticos em Portugal, muitos têm-se assumido, mais ou menos explicitamente, como conservadores liberais ou liberais conservadores (dependendo da ênfase que dão ao conservadorismo ou ao liberalismo).

Quer seja nos novos partidos, quer seja dentro dos antigos, muitos têm tentado fazer a sua clarificação ideológica em torno daqueles conceitos, sendo a formulação preferida a do “conservador nos costumes, liberal na economia”.

É este o chavão que Santana Lopes traz para a sua “Aliança”, André Ventura para a sua proto coligação “qualquer coisa Chega”, e que muitos no CDS ou no PSD gostam de usar. Também no “Iniciativa Liberal” podemos encontrar apoiantes com este tipo de confusão, ainda que menos explicitamente.

O facto é que não se consegue ser conservador nos costumes e liberal na economia, sem que se esteja, constantemente, a esbarrar nos conflitos que essas dinâmicas opostas geram.

Uma das características do liberalismo (ainda que o tentássemos restringir à área económica) é a sua permanente criação de mudança. A partir do momento em que se alarga a liberdade de acção económica dos indivíduos (num sistema de capitalismo liberal e democrático), a força da destruição criativa entra em acção, destruindo criativamente tudo o que são tradições e padrões de comportamento. Mais, a tendência internacionalista desse liberalismo acelera o processo de miscigenação cultural, tornando inevitável a importação de novos comportamentos sociais e individuais.

Assim, aqueles que gostam da liberdade de circulação dos capitais, do empreendedorismo, das exportações e importações, da eficiente alocação dos recursos humanos e da concorrência, têm que “levar” com as formas novas no vestir, a convivência entre diferentes religiões, o aumento do secularismo, a proliferação das novas formas familiares, as novas identidades de género ou as modas sempre a mudar.

Mais, a destruição criativa também opera, fortemente, ao nível da inovação tecnológica e científica que está, inexoravelmente, a mudar a própria concepção de ser humano. Dentro de pouco tempo teremos seres biónicos, inteligência artificial avançada, engenharia genética consubstanciadora de eugenia, úteros artificiais, redefinições biológicas do sexo, entre muitas outras alterações que ainda não temos capacidade de imaginar.

Ora, tudo isto choca de frente com a concepção conservadora da sociedade que, em Portugal, tem origem católica e no país fechado que fomos durante a ditadura.

A importância que se dá às datas religiosas (p. ex. o calendário escolar é definido em função destas), à família tradicional, ao conceito de nação, à língua e à Igreja Católica não é compatível com o progresso liberal.

Aqueles que não gostam de avós a parirem netos com o óvulo da filha e o esperma do marido do filho (como surgiu recentemente nas notícias), casamentos e adopções gays, multiplicidade de identidades de géneros, novas religiões (como a cientologia), modas de todas as forma e feitios com roupas unissexo (veja-se a polémica que deu a colecção infantil da Zippy), homens maquilhados de cabelo comprido e com bolsas de mulher (no Japão vêem-se homens de fato com malas Gucci, sem que isso diga algo sobre a sua orientação sexual), mulheres de cabelo rapado, o esbatimento das diferenças entre os géneros, vidas urbanas e migrações frequentes, têm bom remédio: defender uma sociedade fechada, centralizada e ditatorial, pois só essa será conservadora. Assim que se abre a porta do liberalismo económico, todo o pluralismo nos costumes e nas crenças vem por arrasto.

Não é por acaso que a China tenta controlar a Internet (mas não vai conseguir domar a mudança). Na Arábia Saudita, doma-se a mudança dos costumes com mão-de-ferro (matam-se os diferentes).

De resto, qualquer país ocidental que tenha liberalismo e democracia, torna-se num centro de rápida mudança. Não é por acaso que Londres é mais plural que a Inglaterra e votou contra o Brexit. Até houve quem defendesse a permanência de Londres na UE e a saída do resto da Inglaterra. É a tal dinâmica liberal supranacional a funcionar.

Enfim, o liberalismo mata o conservadorismo, o conservadorismo mata o liberalismo. Sejam honestos e façam as vossas escolhas.

O autor escreve de acordo coma  antiga ortografia.