Não bastasse o ano particularmente desafiante de 2020 pelo pandemónio político, social e económico na sequência da pandemia, têm vindo a agravar-se outros males como consequência de conflitos anteriores por resolver ou mal resolvidos.

O nome Al-Qaeda parece pertencer a um passado distante, mas a organização terrorista ainda está ativa em muitas partes do globo. E embora tenha desmoronado o poderio do Estado Islâmico, cessando a subsequente onda de terror causada pelo Daesh na Europa, o seu credo continua a ser disseminado pelos militantes e agora encontrou refúgio em vários países de África.

Nos últimos dois anos, têm surgido notícias vindas de regiões de Moçambique, nomeadamente da província de Cabo Delgado, de maioria muçulmana, que está a ser assolada por ataques violentos de afiliados na Al-Qaeda, que tem levado à fuga da população. O território é cobiçado pelos seus recursos naturais, em particular após a descoberta de gás natural, cuja exploração se encontra agora ameaçada pela violência da insurgência jiadista.

Moçambique está longe de ser uma situação isolada. A consolidação em países africanos de várias organizações terroristas, normalmente associadas a presenças no Médio Oriente, Golfo Pérsico ou Afeganistão, leva-nos a constatar que há uma alarmante transferência da ofensiva jihadista para o continente africano. A “Al-Qaeda no Magrebe Islâmico”, por exemplo, tem sido responsável por uma série de atrocidades e ataques terroristas há anos, desde o Burkina Faso ao Mali e Níger.

A faixa do Sahel tornou-se um extenso terreno inóspito que acolhe tantas outras organizações compostas por incontáveis militantes jiadistas, afiliados em vários grupos da Al-Qaeda e ISIS. A França acordou para o perigo de ver os países da África Ocidental a cair que nem peças de dominó sob influência salafista jiadista, e tem sido a principal impulsionadora de uma força militar conjunta, incluindo uma força militar portuguesa destacada em Bangui, para travar o caos em Estados mais vulneráveis com vastos territórios à disposição.

A minha perspetiva eurocêntrica, e neste momento dominada por notícias da pandemia, só agora descortina a grave possibilidade de uma parte de África se transformar num campo de batalha não muito diferente da Síria, Iraque ou Afeganistão, com cada grupo terrorista a minar estruturas governamentais frágeis, deixando populações deslocadas, incapazes de regressar às suas casas, e expostas a abusos de direitos humanos. O facto de, por ora, terem cessado os ataques terroristas em cidades europeias não significa que a ofensiva jiadista terminou. Pelo contrário, esses movimentos têm mostrado resiliência e uma incrível capacidade de adaptação em circunstâncias extremas.

O risco de permitir que África se torne um baluarte jiadista terá consequências inimagináveis para as populações locais que serão sujeitas à brutalidade de regimes de índole salafista e empurradas para a condição de refugiadas. Ainda me lembro do terror de pensar que o Líbano, o meu país natal, poderia cair nas mãos do Daesh nos anos do Califado. Não aconteceu, mas a ameaça continua presente para outras nações e essa é uma bárbarie que não deve ter lugar no nosso mundo.