No outro dia, no debate quinzenal que tenho com os meus filhos lá em casa, dei por terminadas as negociações sobre a aprovação de uma lei de bases relativa à utilização de telemóveis, YouTube e televisão.

Os meus filhos, com o radicalismo próprio da idade (6 e 4 anos, pois o mais novo ainda não vota), queriam que ficasse consagrada a obrigação de eu comprar um tablet para cada um, sendo que eu queria apenas aceitar que essa obrigação figurasse na lei de bases como uma opção excecional e apenas no caso de manifesta insuficiência do telemóvel para jogar “Minecraft” com uma resolução adequada.

A discussão foi longa e até nomeámos um grupo de trabalho, mas era nos debates no plenário, à mesa de jantar, que as diferenças se acentuavam, com a teatralização própria da circunstância e ameaças de que quem não aprovasse a proposta do outro seria responsável pela manutenção da antiga lei de bases, que nem sequer fazia referência a telemóveis, pois nessa altura ainda não existiam.

No meio disto, a minha mulher, verdadeira chefe de Estado lá de casa, ia deixando recados colados no frigorífico sobre a necessidade de se chegar a um consenso alargado, para evitar que ela vetasse a referida lei de bases, colocando-a no congelador, ao lado dos lombinhos de salmão. Mas nós, nada de acordo. Eu a teimar que era um grande avanço passarmos a ter uma lei de bases que admitisse expressamente a possibilidade de os petizes verem jogos (mais do que jogarem, o que eles gostam é de ver outras pessoas a jogar) no telemóvel e eles a insistirem que eu não podia ceder à mãe deles e que bem sabiam que, lá no fundo, eu também queria comprar um tablet.

Passando da democracia do T3 de Arroios para o Palácio de São Bento, uma coisa eu sei. As leis de base são uma das infantilidades (no sentido carinhoso do termo, claro) da nossa Constituição. São consideradas leis de valor reforçado, o que implica que as leis posteriores tenham de respeitar o que está na lei de bases e, assim sendo, até parecem muito importantes, estando acima das demais leis que lhes estão subordinadas.

O problema é que, segundo a Constituição, as leis de base podem ser aprovadas por maioria simples, ou seja, basta mais votos a favor do que contra, sem contar com as abstenções e com os deputados que faltem no dia da votação. Pior do que isso, as leis de base podem ser alteradas sempre que a maioria dos Deputados quiser. É como fechar uma pessoa numa cela, mas, depois, dar-lhe a chave da porta.

Claro que na minha legislação caseira é mais difícil que o pai dos meus filhos mude por força da democracia, mas no Parlamento, quem aprova a lei de bases hoje pode não ter força para impedir que ela mude amanhã. Bem podem o António e a Catarina gritar sobre se a lei de bases deve impor, admitir ou proibir as PPP, que quem decidirá o que vai acontecer são os Deputados que estejam em São Bento no dia em que se quiser impor, admitir ou proibir uma PPP. E nessa altura podem até já ser os meus filhos a decidir, cada um com um tablet debaixo do braço, claro está.

Um pai não é de ferro e uma lei de bases ainda menos.