A liberdade de expressão tem sido utilizada como arma de arremesso político pelo mundo fora e tem servido nas mais díspares situações como valor absoluto. Reconhecido direito humano e assim consagrado na Declaração Universal, permite a cada um manifestar as suas opiniões e ideias, sem condicionamento, e constitui um dos pilares da democracia – a qual, por sua vez, assenta a sua vitalidade no estado de direito, ou seja, na observância de regras que organizam a convivência comum, aquém e além-fronteiras.

Em nome da liberdade de expressão, um músico, Pablo Hasél, foi preso, e o estado de direito passou a ser questionado por extremistas e arruaceiros que, noite após noite, enchem e vandalizam as ruas de Barcelona. Ainda no exercício desse direito, um conhecido opositor do poder político russo, Alexei Navalny, foi preso, após uma tentativa de envenenamento, ao abrigo de ridículas acusações. A União Europeia busca novas sanções, mas ainda não foi capaz de resolver a ocupação ilegítima da Crimeia.

Recorrendo ainda a esse direito, um deputado socialista manifesta a sua opinião estética sobre a história. O entendimento de que a demolição do Padrão dos Descobrimentos seria um contributo para o reencontro com a modernidade mostra a incompreensão e negação dos seus antepassados e vira as costas à nossa cultura, mesmo que não faça parte da narrativa do presente. Nada de espantar, correspondendo aos ensejos dos que em Lisboa pretendem retirar os brasões da praça do Império, que apenas têm a dimensão ideológica que se lhes quiser dar.

Este é o mesmo espírito que preside à destruição de estátuas a que assistimos em mudança de paradigma, nos EUA, Reino Unido ou aqui, com a estátua do Padre António Vieira, personalidades que no seu tempo e com a sua lógica contemporânea se projetaram para merecer um reconhecimento público e são agora objeto de vandalismo, por força de se reescrever a História.

As diferentes abordagens à liberdade de expressão mostram que não há direitos absolutos e se as opiniões são legítimas, as contrárias merecem a mesma distinção. Este direito não pode ser confundível com libertinagem ou apelo à destruição de valores coletivos da sociedade, como o fez o rapper catalão em busca de uma legitimação radical, invocando uma organização terrorista e fomentando a violência que apenas representa desculpa para atos criminosos. Tanto quanto seria destruir marcos da nossa história, levando por arrasto demolidor o Centro Cultural de Belém, o Mosteiro de Aljubarrota ou o Palácio da Pena.

Meio século depois de reentrada em democracia há quem queira reescrever factos com rudeza, incapazes de levantar a voz para exigir a punição urgente de quem é acusado de praticar atos de natureza insidiosa e lesivos do interesse coletivo. Estas atitudes de gente imprudente e de mentalidade pequena, por ignorância ou inconsciência, contribuem para incendiar o debate público e fomentar extremismos e justificar populismos. Normalmente acabam mal e aí não servem pedidos de desculpa.