Durante o Estado Novo, o amor à liberdade condenou Manuel Alegre ao exílio. Em Argel, mas com os ouvidos colados a Portugal, o vate deu curso ao sofrimento criando alguns dos poemas que mostravam a sua revolta contra o obscurantismo que tinha fechado o país aos ventos da mudança que sopravam pelo mundo fora. Poemas que muitos portugueses conhecem por terem sido cantados por vozes também elas descontentes com um regime que fazia da falta de autenticidade a regra da vida habitual.

Um desses poemas intitula-se “Trova do Vento que Passa” e dá conta do sofrimento que dominava Manuel Alegre porque, ao perguntar ao vento notícias de Portugal, o vento calava a desgraça e nada lhe dizia. Algo que não o fazia desanimar. Por isso se assumia como alguém que “semeia canções no vento que passa”. A esperança feita certeza de que a ditadura não duraria para sempre.

Um regime que outro poeta ilustre, Jorge de Sena, ilustraria nas estrofes “esses ricos sem vergonha, esses pobres sem futuro”. Daí a alegria com que ambos saudaram a chegada do 25 de Abril de 1974. Só que, ao contrário do que pensava Jorge de Sena, a cor da liberdade nem sempre foi, “verde, verde e vermelha”. Houve quem ousasse e conseguisse escurecê-la, ainda que a coberto de uma legitimidade proveniente do voto. Tanto a nível nacional como na dimensão local. Abril nem sempre rimou com devoção à causa pública.

Por isso, menos de meio século depois, Manuel Alegre, enquanto defensor da liberdade, viu-se obrigado a vir a terreiro defender a honra de João Cravinho contra aquilo que considerou um insulto proferido por Constança Urbano de Sousa. Três socialistas, mas duas visões totalmente diferentes sobre a forma como o Partido Socialista tem encarado a questão da corrupção. A situação já é conhecida e, como tal, não vale a pena recordá-la. Importa, tão-só, mostrar que a indignação solidária de Manuel Alegre não se destinou apenas a condenar o agravo sofrido por Cravinho, uma das personalidades com um papel histórico no partido do Largo do Rato.

Alegre foi mais longe e colocou o dedo na ferida ao denunciar o “bloco central de interesses que captura o Estado”. Aquele que esfrega, gulosa e impacientemente, as mãos à espera da bazuca anunciada por António Costa. Uma revisitação oportunista do New Deal de Roosevelt com efeitos sociais previsivelmente muito aquém daqueles que foram atingidos em terras do Tio Sam.

A denúncia de Alegre foi feita em nome da liberdade. Enquanto é tempo. Para que a noite dos tempos de servidão não volte a cair sobre um país anestesiado onde o espaço dito informativo nem sempre justifica a designação.

Uma conjuntura em que, para desconsolo do poeta, a “Trova do Vento que Passa” ganha acuidade. Por isso, como, tal como Cravinho, não tem a memória afetada, Manuel Alegre fez questão de repetir que “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”. Alguém que recusa todas as formas de censura e de imposição do pensamento único. Venham de onde e de quem vieram.

Afinal, a liberdade não tem dono e, obviamente, não convive bem com os carcereiros das ideias. Em prosa ou em verso.