Sejamos francos. Ninguém acredita verdadeiramente que o próximo Orçamento do Estado, atualmente em discussão na Assembleia da República, seja um orçamento centrado nas pessoas e famílias, a não ser os mais fervorosos apoiantes socialistas.

Temos problemas diversos que se resolvem a velocidades diferentes, mas a conjuntura que atravessamos é uma que não fazia parte dos planos deste ano de 2022. Uma inflação elevada em cenário de guerra prolongada na Europa, com escalada de taxas de juro e custo de vida, agravada por problemas de distribuição e logística que ainda persistem devido à pandemia.

Não faltam avisos de um ano 2023 difícil, em que um cenário de recessão se afigura como improvável pelo wishful thinking do Governo, sendo este, na verdade, um cenário cada vez mais difícil de evitar.

A crise que enfrentamos poderia ser evitada com uma dinâmica que não passasse por uma total obsessão com a redução da dívida pública e do grande mito das “contas certas”, mas nessa matéria são poucos os sinais de esperança vindos da governação socialista. Se na crise da austeridade podíamos culpar a troika pelos nossos males, atualmente não têm faltado fundos e mundos da União Europeia para dotar a economia de recursos que consigam preparar o país para o futuro, com a liderança certa. Infelizmente, a liderança tem sido pífia.

Ora, para assegurarmos a transição para um novo modelo de desenvolvimento, é preciso uma maior abertura que passa por investimento, principalmente na educação e saúde, e pelo reforço dos rendimentos das pessoas.

Além disso, se a crise da habitação, que agora alastra a todo o país, já era grave há  cinco anos, está agora a atingir um ponto insustentável, tanto para proprietários como para arrendatários. E em matéria de alojamento estudantil, temos uma situação dramática. Mesmo com o aumento de vagas no Ensino Superior nos últimos anos, apenas 9% dos 175 mil estudantes encontram vagas em residências universitárias. Um em cada cinco estudantes no Porto ainda não tinham encontrado alojamento em outubro.

Mais. Chegamos à reta final do ano com as autarquias a registar um aumento gradual das necessidades de apoio alimentar, num país em que uma parte da população vive sem que o salário consiga fazer face a todas as despesas. A juntar-se à crise social, os indicadores ambientais continuam a piorar, e estamos longe de uma mudança de mentalidade e hábitos que permitiria algumas melhorias.

E quais os sinais dados pelas lideranças tanto a nível autárquico (em particular na área metropolitana de Lisboa), como nacional? Não conseguem esconder a febre pelo turismo, o investimento estrangeiro tecnológico, seja com as fábricas de unicórnios ou a vinda de nómadas digitais através de regimes fiscais aliciantes. Tudo fatores que têm agravado a crise da habitação.

Em suma, é uma liderança desfasada dos nossos tempos. Nenhum governante pode ser culpado por fatores externos que escapam ao seu controlo, mas pode ser responsabilizado por não saber dar as respostas certas em alturas cruciais.

Numa nota final, partilho com os meus leitores do Jornal Económico que esta será a minha última crónica na “Res Publica” do JE, mas poderão continuar a ler-me todas as quinzenas no caderno “Et Cetera” deste mesmo jornal. Espero continuar a contar convosco nesta nova etapa.