Liberto das peias impostas pela União Europeia, o Reino Unido sente-se agora livre para dar asas aos seus projetos geoestratégicos, e afirmar-se novamente como uma grande potência global.

Esse desiderato é o tema central da “Global Britain in a Competitive Age: The Integrated Review of Security, Defense, Development and Foreign Policy”, o documento que esclarece as opções estratégicas daquele país para enfrentar os desafios criados pelo Brexit. Ressalta do mesmo, a clara ambição de alargar a influência britânica à região do Indo-Pacífico, não só em termos de comércio como de defesa e diplomacia.

Paralelamente, o Reino Unido procurou reiterar as “relações especiais” que mantém desde 1941 com os EUA, a potência que dispõe de recursos para ter ambições globais.

Boris Johnson e Joe Biden assinaram em junho de 2021 a versão século XXI da histórica “Carta do Atlântico”. O Reino Unido procura assim colar-se aos EUA no desejo de coliderar as respostas aos grandes desafios securitários da humanidade.

O alcance desta relação deve ser visto com reservas. Convém não esquecer que Joe Biden manifestou publicamente discordância sobre o Brexit, uma vez que o Reino Unido era mais útil para os EUA dentro da União Europeia do que fora; assim, como a expetativa frustrada do Reino Unido conseguir celebrar rapidamente um acordo comercial com os EUA imediatamente após o Brexit. Para manter a sua utilidade de serventuário, Boris Johnson vai ter de se concentrar nos assuntos de política internacional.

Em linha com o anunciado projeto global, o Reino Unido decidiu estrear operacionalmente o seu novo porta-aviões com a constituição de um carrier strike group e navegar pelos mares do sul da China.

Numa declaração arrebatadora, o ministro da defesa britânico considerou essa força a “maior concentração de poder marítimo e aéreo a partir do Reino Unido no espaço de uma geração”. A primeira viagem do porta-aviões foi pensada para “hastear a bandeira da Grã-Bretanha Global.” A isto, acresce o anúncio feito pelas autoridades britânicas de manter dois vasos de guerra permanentemente no Indo-Pacífico.

Só que a proatividade britânica não caiu bem no Pentágono. A incursão no Pacífico não foi bem aceite pelo secretário da Defesa norte-americano, que utilizando uma linguagem cautelosa não deixou de dizer que a Grã-Bretanha é mais útil como aliada se não se concentrar na Ásia, devendo preocupar-se com a segurança da Europa. Questionou abertamente se o empenho britânico no Pacífico seria o modo mais eficiente dos britânicos utilizarem os seus meios militares. “O Reino Unido pode ser mais útil noutras partes do mundo”.

Incapaz de constituir o carrier strike group apenas com material nacional, a marinha britânica teve de “pedir equipamento emprestado” aos americanos e holandeses, tendo cada um contribuído com um navio. Fruto de anos de orçamentos de defesa raquíticos e de forças armadas esgotadas, a marinha teve de recorrer a F-35B americanos, uma vez que não dispõe ainda de aviões em número suficiente para transportar no porta-aviões. Um dos navios britânicos teve de fazer uma paragem forçada nos estaleiros italianos devido a problemas mecânicos.

Esta demonstração de força no mar do Sul da China não fará o tempo voltar para trás nem matará esperanças vãs. Mas seguramente irá reavivar a memória dos chineses sobre as humilhações que lhe foram infligidas pelos britânicos no passado.