A França, ou melhor, Macron matou os moderados. Se somássemos o bloco Le Pen, Mélenchon, Zemmour teríamos um novo presidente no dia 24 de abril. Porque o que estava em jogo nestas primárias seria não uma luta esquerda vs. direita, mas o combate entre moderados e europeístas e extremistas nacionalistas (de esquerda e de direita, pois o líder do França Insubmissa, Mélenchon é de esquerda).

O actual inquilino do Eliseu sugou o espaço que, no passado, foi ocupado pelos dois maiores partidos gauleses, o PSF e o RPR-UDF, e os seus representantes nesta compita não chegaram, juntos, aos sete por cento. Anne Hidalgo, maire de Paris, socialista, obteve uns vergonhosos 1,8, e Valérie Pécresse, da direita moderada dos rebaptizados Republicanos, 4,7.

Assiste-se assim a um recrudescer de Marine Le Pen, que usou a táctica da raposa que entra sorrateiramente no galinheiro, parecendo mais moderada e aproveitando o facto de, à sua direita, estar um homem ainda mais assustador e radical que captou o maior índice de rejeição do voto do centro racional , livrando-a desse fardo.

A segunda volta não será um passeio para Macron, como foi há cinco anos, mas a Europa não precisa de surpresas indesejáveis.

Hoje, Jorge Moreira da Silva apresenta a sua corajosa candidatura à liderança do PSD, até porque abandona o seu tranquilo cargo internacional na OCDE, onde deixa trabalho visível. Era muito mau que o partido tivesse apenas um candidato, Luís Montenegro, que, como já referi por aqui, não entusiasma o PSD e muito menos o País.

A herança de Rui Rio é uma catástrofe, e o próprio PSD apodreceu desde janeiro. Um líder que somou vitórias internas e derrotas no tabuleiro nacional, a última das quais condenando os sociais-democratas a mais quatro anos de jejum e dando a maioria absoluta ao PS, paralelamente ao crescimento perigoso de Chega e Iniciativa Liberal, que são ameaçadores para o futuro.

Em termos ideológicos o PSD carece de definição. Mantém-se um “catch all party”, um partido de poder que só sossega e se une com lideranças fortes e vitórias nas urnas. O problema é que o último líder foi Pedro Passos Coelho e é da sua órbita, apesar de histórias e percursos de vida diferentes, que, curiosamente, emergem os dois novos candidatos.

Montenegro já foi derrotado internamente e nas urnas, Moreira da Silva, com menos notoriedade pública, ainda não. Do primeiro não se espera nada de novo nem nenhum coelho a sair da cartola – não o conseguiu no passado, não é agora que mudará. Do segundo, pode vir frescura de ideias e agenda e um factor novidade que poderá mudar o jogo. São ambos carismáticos? Não. Que tipo de oposição farão? É uma incógnita. Mas há algo que têm de ter em conta: o “zeitgeist” mostra que o espírito do tempo tem dado espaço a radicais e, tal como em França, os discursos e posicionamentos moderados têm sido penalizados pelos eleitores.

Como é que dois moderados do PSD podem soltar-se deste nó górdio é a pergunta que vale um milhão nos próximos quatro anos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.