Em 1989, o então presidente Mário Soares, de visita à sinagoga de Castelo de Vide, pediu perdão aos judeus portugueses pela perseguição de que tinham sido vítimas há 500 anos.

Com efeito, após a promulgação por D. Manuel I do Édito de Expulsão dos Hereges (5 de dezembro de 1496) e posterior obrigatoriedade da sua conversão ao catolicismo logo no ano seguinte, o Sefarad – termo hebraico que designa Península Ibérica – ficava assim despovoado de sefaradins, cujos hábitos, língua, tradições e ritos levaram com os seus parcos haveres para o Magrebe Central (hoje Marrocos, Argélia e Tunísia) e, sobretudo, para a distante Salónica otomana.

Com eles foi, naturalmente, o idioma em que se expressavam, conhecido por ladino, djudeo-espanyol ou djudezmo, e que, embora hoje praticamente extinto, ainda sobrevive em certas regiões de Israel, dos Balcãs, do norte da Grécia e do Próximo Oriente.

Os que não abandonaram as terras do Sefarad, outro remédio não tiveram senão o de receber as águas santas do batismo, passando depois a fazer vida dupla: em casa eram judeus e, ao sábado, celebravam o schabat; fora de casa eram católicos e, ao domingo, iam à missa. Claro está que o povo conhecia essas vidas divididas e os bufos da Inquisição não ignoravam tais comportamentos, não tardando a apodá-los, injuriosamente, de «marranos». E assim viveram séculos, mais ou menos discretamente, desde que não saíssem dos seus cantinhos.

Ora, 25 anos mais tarde, em linha com o governo espanhol de Mariano Rajoy, o governo de Pedro Passos Coelho, através do Decreto-Lei n.º 30-A/2015, decidiu atribuir a nacionalidade portuguesa aos descendentes dos nossos sefaradins expatriados pelo rei «Venturoso» em finais do século XV e inícios do século XVI.

Estava desse modo declarado aberto o negócio da atribuição da nacionalidade portuguesa pela simplicidade dos requisitos necessários, bastando unicamente ao peticionário da mesma possuir um certificado passado por uma comunidade judaica em Portugal ou um documento a provar a sua pertença a uma comunidade sefaradim de ascendência portuguesa, e ter mais de 18 anos de idade ou ser emancipado.

O único óbice de índole burocrática existente é não ter sido condenado por um crime que no País seja punível com pena de prisão de três anos ou, então, estar envolvido em atividades relacionadas com terrorismo.

Em face de tanta simplicidade não é de admirar que, de um dia para o outro, haja crescido o número de portugueses, os quais, sem possuir quaisquer laços afetivos com Portugal, inteiramente ignaros da sua história e dos seus costumes, e desconhecendo em absoluto o nosso idioma, tenham sido acolhidos à sombra da nossa bandeira.

Na posse de um passaporte português na mão, os felizes contemplados ganham de uma penada: 1) livre circulação no Espaço Schengen; 2) direito de residência e de trabalho em qualquer país da União Europeia (UE), extensível a cônjuges e filhos; 3) facilidades de inscrição em cursos de licenciatura, mestrado ou doutoramento em universidades europeias, com as propinas mais generosas atribuídas aos cidadãos da UE; 4) entrarem sem visto nos países que não nos exigem esse tipo de formalidades (e são mais de 150!); 5) acesso ao Serviço Nacional de Saúde; 6) proteção diplomática nos consulados de Portugal espalhados pelo mundo; e 7) direito a participar em atos eleitorais.

As vantagens da aquisição da nacionalidade são muitas, e, graças ao proverbial facilitismo português, ainda nos chegam e são aprovados inúmeros pedidos que o país vizinho recusa.

A Espanha tem sido bem mais rigorosa do que nós nessa matéria, já que o peticionário tem de provar que se encontra ali a residir pelo menos há dois anos, tal como é exigido a todos os nacionais de países a ela especialmente vinculados, tais como os ibero-americanos (Venezuela, Argentina, Cuba etc.). Porém, excecionalmente, os sefaradins originários de Espanha que consigam provar que o são e, simultaneamente, a ela se encontrem ligados de alguma maneira, poderá ser dispensada a prova de residência durante os tais dois anos, se a veracidade das suas genealogias for devidamente comprovada pela Federación de Comunidades Judías de España.

Mas, para conseguirem a nacionalidade espanhola, têm de conhecer o idioma, pois é-lhes exigido um certificado de nível A2 ou superior, e provar estarem na posse de conhecimentos básicos constitucionais e socioculturais do país. Para tanto, são aconselhados a alcançar um diploma oficial dos exames efetuados em qualquer centro dos muitos que o Instituto Cervantes detém espalhados pelo mundo.

Já que, por questões de calculismo político, nunca se irá investigar os milhares de concessões de nacionalidade portuguesa fraudulentas, breve chegará o dia em que ficaremos a conhecer outras fraudes na aquisição da nacionalidade portuguesa, vindas da Índia, e apuradas no seguimento do inquérito penal instaurado a pedido do Consulado Geral de Portugal em Goa. Esperemos que haja bom senso, na atribuição da nacionalidade, agora que após o primeiro grande escândalo, se alterou a Lei da Nacionalidade, incluindo o requisito subjetivo da prova da ligação a Portugal.

Esperemos que o grau de exigência de conhecimentos básicos, seja igual ao de Espanha, pois certamente não queremos que sejam os EUA a exigir essa alteração e a restringir o nosso acesso ao seu território, por os agentes da CBP (Customs and Border Protection) descobrirem a existência de passaportes portugueses em mãos pouco recomendáveis.