A versão preliminar do plano traçado por António Costa Silva para a recuperação económica e social de Portugal encarregou-se de mostrar que, mais uma vez, Adriano Moreira teve razão no tempo certo. Aquela conjuntura que os decisores políticos denominam como antes do tempo. Por isso, em 1962, se viu forçado a comunicar a Salazar que teria de mudar de ministro para voltar a desacertar o relógio da História.

Na verdade, a “jangada Atlântica” desenhada pelo consultor escolhido por António Costa tem muito mais a ver com a “Janela de Liberdade Atlântica” preconizada por Adriano Moreira do que com o iberismo presente na “jangada de pedra” inventada por Saramago e que conta com um número não despiciente de apoiantes do outro lado da fronteira.

Defende Costa Silva que a estratégia para Portugal superar a atual crise passa pela aposta num modelo geopolítico assente em quatro pilares: a língua, a cultura, a diplomacia e as forças armadas. Uma forma de reconhecer que a língua transporta valores e, tal como a cultura, dispõe de um elevado valor económico e geopolítico. Uma verdade a que o poder político não tem prestado a devida atenção. Basta ter presente a tragicomédia em que foi transformado o Acordo Ortográfico. Uma situação que o novo plano parece apostado em reverter.

Adriano Moreira, ao olhar para o Atlântico, começou por imaginar Portugal como um país de articulação e fronteira. Depois, com o fim desta parcela do Império Euromundista, percebeu que a Lusofonia poderia vir a ter um papel a desempenhar na definição da Nova Ordem Mundial. Rebatizou o Atlântico de Oceano Moreno ao mostrar que os países lusófonos poderiam vir a assumir-se como garante da segurança nas duas margens do Atlântico.

Um valor geoestratégico imenso numa altura em que o terrorismo, falsamente identificado como religioso, o narcotráfico e outras atividades ilícitas, como o tráfico humano, colocam em causa a segurança do modo de vida ocidental. Por isso, a exemplo do atual plano, Adriano Moreira tem enfatizado o papel das forças armadas, pois não desconhece a importância de ir além do poder funcional que decorre da posição geoestratégica privilegiada. Afinal, é do âmbito da utopia dispensar a capacidade militar como fator decisivo para a manutenção da paz.

António Costa Silva ao gizar o seu plano não pretende, tal como Adriano Moreira, virar costas à Europa. Sabe que a solidariedade da União Europeia é imprescindível para a recuperação portuguesa. Só que também percebe que é na sinergia complementar da integração europeia e da pertença lusófona que Portugal deve apostar. Por isso fala da necessidade de consensos e de um plano agregador.

Mais do que uma jangada, sempre à deriva e à mercê das correntes e das tempestades, o Oceano Moreno deve ser encarado como uma janela de oportunidades. As 120 páginas do plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030 deixam clara essa possibilidade. Resta saber se o Governo de António Costa está disposto a seguir a linha de orientação traçada pelo consultor e se tem engenho e arte – o novo nome da capacidade negocial – para garantir o indispensável apoio político e social.

Afinal, Portugal, tal como a Lusosfera, já está farto de discursos proclamatórios repletos de frases feitas.