[weglot_switcher]

“A Ordem dos Contabilistas deve saber bater o pé à Autoridade Tributária”

José Araújo vai apresentar-se às eleições da Ordem dos Contabilistas Certificados, no final do ano. Defende uma Ordem mais transparente, melhor gerida e que assegure as boas práticas na profissão.
30 Agosto 2017, 17h57

José Araújo vai apresentar-se como candidato a bastonário da Ordem dos Contabilistas Certificados, nas eleições que terão lugar no final do ano. Em entrevista ao Jornal Económico, José Araújo admite que a Ordem ganhou dimensão durante o longo consulado de António Domigues de Azevedo (falecido no ano passado), mas quer mais transparência nesta entidade que gere um orçamento anual de 20 milhões de euros. José Araújo defende uma Ordem focada em garantir as boas práticas na profissão e em melhorar o ‘status’ dos contabilistas no conjunto da sociedade portuguesa. Admite rever as regras de acesso à profissão e diz que os contabilistas não devem existir como “súbditos” da Autoridade Tributária.

O que o leva a entrar na corrida à liderança da Ordem?
Por enquanto sou um candidato a candidatar-me a bastonário da Ordem dos Contabilistas Certificados, que ajudei a fundar. Sou Contabilista Certificado (CC) nº5 porque fiz parte da comissão instaladora nomeada pelo então ministro das Finanças, Sousa Franco. Como representante da Associação Portuguesa de Contabilistas, fui um dos que instalou a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, na altura. Fiz parte da lista de Domingues de Azevedo, como primeiro presidente do conselho técnico. Tinha uma visão da profissão e da Ordem um bocadinho diferente e acabei por não partilhar dos mesmos propósitos de Domingues de Azevedo e acabei por ser afastado. Afastei-me da Ordem durante uns anos mas não da profissão. Tive um escritório de contabilidade mas a pressão fiscal ultrapassou todos os limites do razoável. Senti bem na pele a pressão sobre a profissão, que lhe tira algum discernimento para fazer aquilo que tem de ser feito. Hoje somos mais escravos da Autoridade Tributária do que propriamente contabilistas na sua aceção da palavra. Prepara-se para fazer o que fez com outras profissões: usar e deitar fora.

Porque diz isso?
Prepara-se para adotar um regime simplificado de tributação que vai fazer com que muitos profissionais deixem de ter a importância e o papel que têm hoje.

Essa simplificação não será em benefício do cidadão?
Seria se o contabilista fosse um peso para cidadãos e empresas. A complexidade fiscal, como por exemplo a desmaterialização, em que em tese tem lá todos os elementos para eu ser capaz de fazer o meu IRS. Sabemos que ainda assim é enredado em opções. A grande vantagem que é apresentada é deixar de ter contabilistas, quem ajuda os contribuintes a encontrar as melhores soluções e a cumprir com as obrigações. O Estado fez toda a desmaterialização à conta das empresas e dos contabilistas e agora prepara-se para dizer “agora já não são precisos”. Qualquer desvio de um dia, de uma hora, de um minuto dá uma coima que é muitas vezes superior ao próprio imposto. É um problema que a classe vai ter de enfrentar. O meu projeto de candidatura baseia-se no processo definido pela International Federation of Accountants (IFAC), que tem um perfil de contabilistas, competências e áreas que deve desenvolver.

Foram as reformas fiscais deste Governo que o fizeram avançar com a candidatura?
Reformas fiscais existirão sempre e são uma questão de política do Estado. O contabilista tem de recentrar naquilo que são as suas funções e onde de facto acrescenta valor às instituições com quem trabalha e que lhe dão dinheiro. As questões de natureza fiscal são importantes, não podem é ser absorventes daquilo que é verdadeiramente o foco.

O que distingue a sua candidatura da liderança histórica de António Domingues de Azevedo e da atual bastonária [Filomena Moreira]?
Tenho uma visão alargada do conceito da profissão, no centro e no foco da contabilidade e da área financeira, não tanto subordinada à natureza fiscal. Ao longo destes anos fomos arrastados para a Autoridade Tributária e é sobretudo isso que eu contesto. Temos de ser vistos como parceiros, bater o pé e defender o interesse público, que não é necessariamente o interesse do Estado.

Que balanço faz do trabalho de Domingues de Azevedo?
Acho que a Ordem ganhou número e estatuto. O trabalho institucional está bem feito. O mérito de ter chegado a este ponto é dele. É preciso agora olhar para dentro, aumentar a qualidade, reorientar, ganhar notoriedade, inovar. Queremos ser chamados a participar na formação dos diplomas legais, na aplicação nas normas, etc. O nosso lema é “Unir para sermos mais fortes”. Não é um lema para ganhar eleições mas para praticar. Se a classe de der a honra de ser o próximo bastonário gostaria de contar com o apoio de todos os CC. Conto com o apoio de João Duque, que é alguém com muita notoriedade, de João Colaço, um histórico da profissão… A lista não está completa e não está fechada.

Como é que acha que o processo eleitoral está a ser conduzido?
Acho que estamos a viver um momento único. Pela primeira vez temos um regulamento eleitoral que está em audição pública, apresentado pelo presidente da mesa da Assembleia Geral. É um passo de mudança face às práticas anteriores. A minha candidatura é de mudança sem ruturas. Até dia 31 de agosto podem receber-se propostas e tanto quanto sei vão ser aceites todas aquelas que não contrariam os estatutos. Há mais transparência e igualdade de oportunidades para os candidatos. A minha preocupação é a de que ninguém seja privado de concorrer desde que cumpram as condições, incluindo contabilistas de gestão, diretores financeiros, tesoureiros, consultores de contabilidade. De acordo com algumas visões mais restritas, só quem assina demonstrações financeiras deve concorrer.

Vai apresentar sugestões na consulta pública?
Não vou apresentar propostas de alteração ao regulamento eleitoral. Vou intervir no sentido de alargar as candidaturas, de serem proporcionadas condições igualitárias a todos e de que o voto vá para quem as pessoas queiram votar.

Antes havia situações em que isso não acontecer?
Posso dizer que uma vez fui votar presencialmente para garantir que o meu voto ia para quem eu queria votar. Se isso não acontecer vai ter a minha oposição firme.

Já recebeu denúncias?
Quem já participou em atos eleitorais anteriores ficou sempre com a desconfiança de que o voto por correspondência tinha algumas suspeitas.

Ao contrário dos advogados, que estão protegidos pelo sigilo profissional, os contabilistas podem ser obrigados a depôr em tribunal contra os seus clientes. O que pensa disto?
Não há nenhuma profissão que se possa manter no longo prazo e com o respeito para com quem trabalha se não tiver sigilo profissional – os advogados e os médicos têm e os contabilistas não. Deviam ter.

É a favor do sigilo, portanto.
Sim, a favor do sigilo profissional. Só perante uma autoridade pública com poderes determinados é que deveria fazer prescindir o sigilo profissional. Nós lidamos com informação que é do contribuinte, portanto temos de manter o respeito perante a informação que não é nossa. Não a podemos usar contra o contribuinte. A divulgação de um crime público é o dever de qualquer cidadão e não apenas de um contabilista. Um dos aspetos que têm prejudicado o sigilo profissional, e que não é aquilo que eu defendo, é o controlo de qualidade tal como está implementado na Ordem. Aquilo não é um controlo de qualidade. É outra coisa qualquer. A Ordem deve ser um orientador, que dá ‘guidance’. Deve ser uma entidade defensora das boas práticas.

Como propõe fazer isso?
Através de um manual e de um guia de boas práticas recomendado e inspirado pela IFAC. Não estou a defender uma coisa que acho que deva ser feita – já o fiz. Fui solicitado pela Ordem dos Contabilistas e Auditores em Cabo Verde para o fazer. Pretendo adaptar esse manual à nossa realidade, dimensão e especificidade.

Quais são as principais orientações desse manual?
É um guia de orientação para boas práticas na relação com a Ordem, com as empresas, na condução do seu trabalho, minutas, prazos de comunicação de conteúdos. Temas que ajudem sobretudo os mais novos, que entram na profissão e querem ser bons profissionais. Temos que orientar e, se não cumprirem, agir disciplinarmente, em casos em que o incumprimento é sistemático. Se queremos ser exigentes com a Autoridade Tributária, já que ela é exigente connosco, temos de ser em primeiro lugar exigentes connosco próprios. Queremos dar mais ‘glamour’ à profissão e elevar o patamar do contabilista na sociedade.

Isso passa também por mudanças no acesso à profissão?
Inclui rever alguns aspetos do acesso à profissão. Eu defendo que quem entra na profissão deve ser avaliado do ponto de vista da prática profissional. As associações profissionais e as Ordens não são associações de antigos alunos. Tenho muitos colegas que tiraram o curso superior de Contabilidade e não são contabilistas. Se o querem ser, a Ordem deve identificar um perfil de competências que um contabilista deve cumprir para ser bom, aplicando padrões que já existem, como o da Organização Mundial do Comércio. Temos de ter uma relação muito próxima com a academia e dizer-lhe que queremos que um contabilista domine estas matérias no domínio científico mas depois tem de ter uma experiência prática, com um exame de acesso e, mais tarde, um estágio profissional. Neste momento, há estágio e um exame, que é uma coisa que eu não concebo.

A alteração que defende limita o acesso à profissão e torna-a mais exclusiva, para benefício dos que já nela trabalham.
Isso é o que costumam fazer as ordens profissionais…
As Ordens têm um problema na sua génese. Quando estamos de fora defendemos a ideia de que devemos aceder livremente e o mercado é que decide. Assim que entram, a primeira preocupação é fechar.  Mas as Ordens existem para regular boas práticas e defender as profissões na essência da sua atividade. Queremos todos aqueles que são bons profissionais, independentemente do nível académico.

Já fez contactos com as universidades para mostrar esse interesse?
Tenho muita proximidade ao mundo académico. Quero contar na minha lista, nos apoiantes, nas comissões que vou criar e nos colégios que quero modificar no estatuto trazer pessoas das mais diversas valências.

Quais são as suas ideias em termos orçamentais?
Se continuasse no caminho que tem seguido podia correr o risco de implodir. A Ordem tem um orçamento para 2017 de 20 milhões de euros e um de despesa de 19,9 milhões de euros. É muito preocupante uma Ordem que tem um orçamento desses não ter disponibilidades de tesouraria de 10% disso. Tem conduzido a sua gestão na aquisição de muito património. Acho que a vocação da Ordem não é imobiliária por isso deve reduzir investimentos e liquidar obrigações bancárias.

Quais são as fontes de receita da Ordem?
Quotas dos associados, formações e alguns serviços que terão de ser reequacionados eventualmente. A Ordem está a ter uma vocação comercial que não lhe é apropriada. Não pode continuar a haver formações com 1.500 pessoas num auditório. Teremos de reduzir alguma receita criando grupos de 30 a 50 pessoas.

Como está o balanço? Propõe mexer nas quotas?
O ativo e o passivo são muito elevados. Temos de emagrecer o balanço, que é muito elevado, de muitos milhões de euros. Se compramos património com dinheiro próprio é bom, não é quando o fazemos com dinheiro dos bancos. Não podemos ser irrealistas. Se queremos descontinuar algumas atividades comerciais não podemos descontinuar toda a receita. Teremos de ver se a receita das quotas é adequada. Quero saber se as pessoas sentem que o pagamento é justo para o nível de representação que têm.

A redução vai chegar às delegações regionais?
Vamos reequacionar toda a área patrimonial. Não quer dizer que deixe de haver representação local e um serviço de proximidade com os profissionais. A assembleia representativa, que será eleita pela primeira vez, através de círculos eleitorais distritais, deve ser uma representante da Ordem. Devemos aproveitar a oportunidade dos novos estatutos e tornar estas pessoas os nossos embaixadores locais.

O que pensa sobre a criação de sociedades multidisciplinares, que juntem advogados, contabilistas e outros profissionais?
No que respeita ao exercício das profissões, preconizo aquilo que preconiza a IFAC: cada profissão deve ter as suas atividades perfeitamente definidas e exclusivas. Os contabilistas são muito solicitados pelos diversos empresários para fazer tudo porque são os mais qualificados e mais baratos. É normal um contabilista processar salários. O que é que lhes está vedado? O ato jurídico de celebrar contratos, que deve ser feito por um advogado. Uma das formas de resolver o assunto é cooperar. Tudo o que seja cooperação para mim é bem vinda, desde que seja permitida por lei e que respeite áreas reservadas.

Se for eleito, está disposto a cumprir vários mandatos?
No máximo farei dois mandatos. Acredito que as instituições não pertencem às pessoas que as dirigem.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.