Irá a Rússia invadir a Ucrânia? Para tentarmos responder a esta questão, olhemos para dois aspetos.

O primeiro será a forma como a Rússia agiu em situações idênticas ao longo dos últimos anos, na Geórgia, na Síria e na própria Ucrânia.

Em todos os conflitos em que se envolveu desde o início deste século, Moscovo tem agido de forma a não permitir que as suas intervenções militares possam provocar um confronto direto com os Estados Unidos e a NATO. Foi assim na curta guerra com a Geórgia, em 2008, na qual as tropas russas poderiam facilmente ter avançado para Tbilisi, mas não o fizeram. A invasão da Ucrânia em 2014, com a anexação da Crimeia, obedeceu ao mesmo racional, bem como a intervenção na Síria em apoio de Bashar-Al-Assad. Foram intervenções de “guerra híbrida” (Crimeia) ou com meios limitados (Geórgia e Síria), suficientes para atingir um conjunto de objetivos pré-definidos, mas sem provocar uma guerra com as potências ocidentais. E evitando repetir o atoleiro em que estas últimas se deixaram arrastar no Iraque e no Afeganistão.

O que nos conduz ao segundo aspeto a considerar, que é entender o objetivo concreto que o Kremlin visa atingir ao atuar de forma extremamente agressiva perante a Ucrânia, dando a entender que poderá lançar uma invasão em larga escala.

Como qualquer pessoa com dois dedos de testa, Vladimir Putin saberá que uma invasão da Ucrânia seria uma aventura muito perigosa. Não obstante a superioridade militar da Rússia, seria um risco tremendo invadir um país de mais de 40 milhões de habitantes com um exército de apenas cem mil homens, sabendo que, de seguida, teria de o ocupar e, muito provavelmente, enfrentar uma insurgência apoiada pelas potências ocidentais e com o apoio da maioria da população. Isto para não falar do risco de o conflito escalar e arrastar  a vizinha Polónia e os seus aliados da NATO, o que teria consequências devastadoras, mesmo num cenário improvável em que não fossem usadas armas nucleares. Ninguém sairia vencedor de uma guerra dessas, embora a memória do verão de 1914 seja suficiente para nos recordar que os conflitos devastadores entre grandes potências não só acontecem como rapidamente podem ficar fora de controlo.

Se excluirmos o cenário de invasão total e conquista da Ucrânia, restam-nos duas possibilidades: 1) a Rússia pretende apoiar os rebeldes russófonos do Donbass, destruir a economia ucraniana, partir o país ao meio e anexar aquela região, tal como fez com a Crimeia; 2) a Rússia procura evitar que os Estados Unidos estacionem armas nucleares e o seu escudo antimíssil na Ucrânia. E, com esta demonstração de força, Putin pretenderá obrigar o Ocidente a sentar-se à mesa das negociações, de igual para igual, pela primeira vez desde 1991, para redesenhar a arquitetura de segurança da Europa. Conseguindo ainda, como bónus, dividir a NATO e demonstrar a sua inoperância enquanto aliança militar supostamente capaz de proteger os bálticos, a Roménia e a Polónia.

Embora a primeira possibilidade não seja descabida, a segunda será a mais realista. E esse objetivo já estará a ser parcialmente atingido, tal como demonstra a recente visita de Macron a Moscovo. A qual demonstrou, por um lado, que o Ocidente está disposto a negociar com a Rússia; e, por outro, que os interesses e objetivos da Alemanha e da França no que à Rússia diz respeito não são necessariamente os mesmos que os de Washington e Londres, ainda que, por hipótese, Macron e Biden estejam a atuar como polícia bom e polícia mau.

Porém, os riscos desta jogada de xadrez do Kremlin são enormes. Putin estará convencido de que a todo o momento poderá aliviar a tensão, retirando tropas da fronteira, mas o que acontecerá se a situação escapar ao seu controlo, tendo em conta que há muitos players em jogo, dos dois lados, e que nem todos agem de forma 100% racional?