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“A política fiscal é uma questão fundamental na afirmação dos temas ESG”

A fiscalidade é uma forma de as autoridades incentivarem comportamentos, mas ainda há caminho a ser percorrido em Portugal.
23 Junho 2022, 23h01

Os temas ESG (relativos ao ambiente, social e governança, na sigla em inglês) estão a transformar o modo como as organizações desempenham exercem as suas atividades, num quadro em que o enquadramento dado pelos decisores políticos se evidencia. Ao JE, João Cunha Guimarães, diretor de Tax Services da consultora EY, explica que entre as mais importantes ferramentas está a política fiscal.

A política fiscal tem contribuído para a afirmação dos temas ESG? Como pode ter um maior impacto na adoção desta agenda?
Atualmente, existem ambiciosas metas mundiais e europeias para alcançar a chamada neutralidade carbónica, ou seja, uma redução significativa da emissão de gases poluentes por parte dos principais agentes económicos. Como em qualquer empreitada de natureza transversal à sociedade e com ambição transformadora, os diferentes governos e demais agentes públicos desempenham um papel fundamental, através, entre outros, do uso daqueles que resultam ser, frequentemente, instrumentos vocacionados para disciplinar ou condicionar comportamentos: políticas fiscais e regulatórias. Com efeito, poderá dizer-se que os governos têm em seu poder a capacidade de moldar o comportamento dos agentes económicos em tudo o que diz respeito a temas ESG, na medida em que poderão, através do desenho e implementação de políticas fiscais e regulatórias, “penalizar”, mediante um aumento da carga tributária, comportamentos considerados pouco “amigos do ambiente” e, por outro lado, criar um sistema de incentivos que “motive” os agentes económicos a adotar comportamentos mais alinhados com as ambiciosas metas “verdes” mundiais.

A política fiscal é, portanto, uma questão fundamental na afirmação dos temas ESG. Com efeito, a adoção, por parte dos grupos multinacionais, de estruturas fiscais agressivas ou pouco transparentes e as expectativas crescentes da sociedade em que cada agente económico cumpra com as suas responsabilidades sociais pagando a sua quota-parte justa de impostos, colocam as políticas fiscais na ordem do dia como instrumento garante de uma sociedade mais cumpridora com os temas de ESG. As próprias estruturas de governance das empresas, fruto da maior pressão para a responsabilidade social, estão mais sensíveis a estas questões de ESG, implementando medidas e mecanismos de monitorização e controlo das políticas adotadas.

A transparência fiscal é uma vantagem num quadro de maior preocupação com temas ESG?
Sem dúvida que a transparência fiscal é uma vantagem, na medida em que existe uma pressão acrescida por parte da opinião pública em ver assegurada uma justa contribuição das empresas para a sociedade, do ponto de vista da sustentabilidade das suas ações e do adequado pagamento dos seus impostos, dado que estes permitirão aos governos, entre outras coisas, financiar atividades e projetos de transformação que permitam caminhar na direção de uma sociedade mais “verde”. Neste sentido, a possibilidade de escrutínio da “pegada” fiscal dos agentes económicos, através do crescente número de relatórios e informação pública produzida com dados sobre a posição fiscal dos diferentes agentes económicos, é um elemento potenciador da ação, por parte de ditos agentes, de comportamentos mais tendentes às preocupações relacionadas com ESG. Nos anos mais recentes, foram produzidas diversas alterações legislativas que resultaram na obrigatoriedade de publicação de informação, por parte das empresas, relativamente à sua “pegada” fiscal, incrementando a sua transparência fiscal.

Não obstante a clara evolução verificada, existem ainda passos fundamentais que devem ser dados no sentido de melhorar a produção de informação e a capacidade da mesma de proporcionar métricas adequadas para avaliar a tomada de decisão. Estes passos assentam, sobretudo, numa maior harmonização das legislações e regulações aplicáveis, visto que estas são, ainda, complexas e diversas, e na uniformização dos frameworks que permitem divulgar informação fiscal no contexto de relatórios de ESG.

O quadro fiscal português é incentivador do investimento sustentável? Como pode ser melhorado?
Do ponto de vista do quadro fiscal português, importa destacar a Reforma da Fiscalidade Verde. Esta reforma, que incidiu sobre um conjunto de normas fiscais nos setores da energia e emissões, água, resíduos, transportes, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, ambicionou criar condições tributárias objetivas para proteger o ambiente, para diminuir a dependência energética do exterior e para fomentar sistemas de produção mais amigos do ambiente, através do incentivo a uma utilização mais eficiente de recursos. Algumas medidas concretas implementadas prendem-se com o incentivo ao abate de veículos em fim de vida, aquando da aquisição de outro meio de transporte mais “verde”, numa taxa específica sobre sacos de plástico leves, numa revisão da taxa de gestão de resíduos, numa revisão da taxa de gestão de recursos hídricos e num benefício fiscal específico para ONG. Outras medidas previstas por este regime têm como propósito diminuir as emissões de carbono, através da implementação de uma taxa específica penalizadora, incentivos a veículos de transporte mais sustentáveis e um regime fiscal mais favorável a edifícios mais sustentáveis.

Não obstante os importantes passos que foram dados com esta reforma, na direção correta, verifica-se que os efeitos produzidos pelos mesmos são ainda incipientes, tanto do ponto de vista empresarial como das famílias. Ao nível empresarial, não se verificou ainda uma transformação no tecido empresarial português que permita afirmar que estas medidas têm de facto incentivado uma transformação estrutural no sentido de gerar uma economia mais verde e sustentável. Com efeito, importantes fenómenos de transformação ao nível da utilização de recursos nos processos produtivos, de forma mais sustentável, são ainda raros no meio empresarial nacional, não havendo também importantes movimentos tendentes a gerar processos de inovação que permitam que, globalmente, a economia como um todo seja menos penalizadora do ambiente. Do mesmo modo, verifica-se que as famílias não estão, ainda, suficientemente sensibilizadas para os fenómenos da sustentabilidade, o que leva a concluir que estes instrumentos fiscais não estão a gerar um efeito verdadeiramente transformador.

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