Estamos a assistir a uma enorme contestação social em França, tendo como pano de fundo as alterações legislativas que o presidente Emmanuel Macron pretende introduzir e que terão impacto na idade de reforma e no período mínimo de contribuições para a Segurança Social.

À primeira vista parece ser uma originalidade francesa. Afinal, a idade de reforma em Portugal está muito acima dos 64 anos que se pretende introduzir em França. Além disso, a reforma é apresentada pomposamente como “fator de sustentabilidade”. Quem poderia ser contra uma tão legítima preocupação?

Os franceses, claro está!

Seis notas. A primeira para realçar que Macron teve apenas 27,5% de votos na primeira volta, momento em que se sufragaram os programas económicos. A dinâmica na segunda volta era já outra e visava evitar a eleição de Marine Le Pen. Ou seja, os resultados da primeira volta não permitem concluir que foi um plebiscito bem sucedido ao programa económico de Macron. Acresce que pouco tempo após a reeleição, o seu partido e aliados perderam a maioria legislativa.

A segunda é para frisar que todas as forças sindicais estão na rua em protesto. Não apenas os suspeitos do costume, mas também os moderados. Ou seja, a alteração legislativa que se pretende introduzir conseguiu construir uma frente alargada e representativa de oposição.

A terceira pretende sublinhar que esta alteração valerá apenas 2% a 4% das receitas da Segurança Social francesa, que se estima que entre em déficit a partir de 2030. Contudo, em qualquer cenário, e fruto de uma demografia mais favorável do que na restante Europa ocidental, o peso das pensões no PIB continuará estável, pelas próximas décadas, em cerca de 14% do PIB. Portanto, não se está perante nenhuma emergência financeira ou social que justifique medidas drásticas.

A quarta nota serve para destacar que os sindicatos e a oposição parlamentar afirmam, sem exceção e com razão, que é uma alteração injusta, pois os custos incidem apenas sobre os trabalhadores no ativo, não sendo pedida nenhuma contribuição adicional aos reformados nem às empresas.

A quinta para notar que o plano de Macron se foca em soluções de equilíbrio de curto prazo. Teria sido melhor que incidisse em medidas para mitigar o desemprego e a saída precoce do mercado de trabalho de ativos mais experientes, a geração grisalha, afetada de forma desproporcional por reestruturações empresariais, pela discriminação factual nos processos de contratação e por incapacidades de saúde para o trabalho.

A sexta nota para lembrar que Macron apresentou zero propostas para acabar com a discriminação etária na hora de recrutar e contratar; zero políticas na prevenção, muito deficitária, de acidentes físicos e ambientes de trabalho psiquicamente tóxicos; e zero propostas quanto ao reforço da formação e qualificação dos trabalhadores mais velhos, evitando a sua obsolescência.

Sem as medidas acima, o putativo aumento de receitas da Segurança Social francesa, pelo aumento da idade de reforma, será absorvido pelo aumento das despesas com o desemprego e incapacidades várias.

Os sindicatos pedem, e pedem bem, políticas ativas para aumentar a empregabilidade do grupo dos 55 aos 64 anos. Afinal, uma Segurança Social equilibrada é do interesse vital de todos os trabalhadores.

Alheado de tudo isto, e dos que nele votaram, Macron insiste numa punição cega dos trabalhadores no ativo, que conjugada com a inflação elevada (a maior redistribuição de rendimentos desde há 30 anos) e serviços públicos em deterioração, apenas abrirá caminho a soluções demagógicas.