As grandes empresas tecnológicas há muito que olham para o mercado dos pagamentos como uma oportunidade de negócio. São empresas com elevada liquidez, têm milhares de milhões de dólares disponíveis e centenas de milhões de clientes à escala global. Têm a tecnologia e controlam o seu ciclo de evolução e respetiva cadeia de valor e, tão ou mais importante, os dados dos seus clientes. Dados pessoais, de utilização, de consumo e comportamentais. Se há três anos era uma possibilidade, hoje é uma realidade e na linha da frente desta ofensiva das BigTech está a Apple.

Em Portugal já era possível efetuar pagamentos em terminais com tecnologia contactless usando a wallet Apple Pay, numa primeira fase com o Revolut e outros bancos digitais, depois com a Caixa de Crédito Agrícola e mais recentemente com o Millennium BCP e com o Banco Santander.

As BigTech incorporam na sua estratégia de crescimento, e de forma a acelerarem o seu processo de inovação, políticas de aquisição de startups inovadoras e disruptivas, garantindo desta forma a retenção da tecnologia e de conhecimento e incorporando-o no seu roadmap de desenvolvimento.

No início de agosto, num movimento aparentemente normal e alinhado com a sua estratégia de aquisição de startups, mas que constitui um claro indicador do caminho que pretende seguir, a Apple adquiriu uma empresa canadiana chamada Mobeewave, que desenvolveu uma tecnologia que permite transformar um iPhone num terminal de pagamento automático móvel.

Com a tecnologia NFC (Near Field Communication) já embebida no iPhone (e noutros equipamentos) e com a app desenvolvida pela Mobeewave, o iPhone transforma-se num TPA (Terminal de Pagamento Automático), funcionando da mesma forma como um qualquer TPA, basta para tal aproximar um cartão com tecnologia contactless ou um dispositivo compatível utilizando uma wallet, por exemplo a Apple Pay, e efetuar o pagamento.

Trata-se, sem dúvida, de um movimento que irá permitir à empresa iniciar um processo de integração vertical do processo de pagamento, garantindo um controlo efetivo do processo: conhece quem paga, quem recebe, reduz a intermediação e coloca-se numa posição privilegiada para se tornar num player financeiro, com os dados de centenas de milhões de clientes à escala global. Pode ser a confirmação de que a verdadeira ameaça aos bancos no que aos pagamentos diz respeito virá mesmo das BigTech.

Por outro lado, o aumento exponencial dos pagamentos digitais e a necessidade de segurança acrescida nos pagamentos levam à utilização crescente dos tokens de pagamento. Trata-se da conversão do número de conta ou do cartão do cliente num código numérico que é utilizado durante uma transação. Desta forma, os dados reais do cliente são protegidos durante uma transação online, tornando a sua eventual interceção ou utilização ilegítima impossível, sendo o único identificador da transação entre as plataformas de comércio eletrónico e os sistemas de pagamento, e garantindo a realização ainda mais segura das transações.

A natureza unívoca deste token, que só pode ser utilizado dentro da plataforma ou dispositivo que o tenha gerado, é matematicamente impossível de reconverter nos dados originais, pelo que uma eventual interceção não terá qualquer valor nem será possível de utilizar por um terceiro.

É este o princípio associado às principais wallets de pagamento, seja a Apple Pay ou a Google Pay. Depois de configurar o cartão de débito ou crédito na wallet, esta envia os detalhes para o banco ou emissor do cartão, que substitui os dados do cartão por uma série de números gerados aleatoriamente, o token. Este número aleatório é armazenado no equipamento e usado posteriormente para todas as transações.

A Visa revelou recentemente que a sua plataforma Visa Token Service emitiu já mais de mil milhões de tokens junto dos consumidores. Serviço idêntico oferece a MasterCard. Ora, estes serviços permitem uma convergência com os requisitos da norma PCI-DSS (Payment Card Industry Data Security Standard), que constitui um padrão de segurança da indústria dos meios de pagamento.

A rápida adoção da tecnologia de tokenização está naturalmente alinhada com o período de transição global para o digital, que está a mudar a forma como vivemos, trabalhamos e compramos. Para muitos milhões de consumidores, as compras online são agora uma necessidade.