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Abel Matos Santos: “Esta aproximação do ‘centrão’ [PS/PSD] é uma excelente oportunidade para o CDS”

O porta-voz da Tendência Esperança em Movimento (TEM), a primeira corrente de opinião formalizada no CDS-PP, considera que o partido “tem que deixar de ser autofágico” e lidar melhor com os seus antigos líderes. Defende uma agenda conservadora e prefere um “CDS doutrinário” a um “CDS descafeinado”.
8 Março 2018, 07h20

A Tendência Esperança em Movimento (TEM) acaba de ser formalizada como a primeira corrente de opinião na História do CDS-PP. É uma prova do pluralismo interno do partido ou, pelo contrário, um factor de desunião?
Sem dúvida alguma uma forte mobilização das bases e um sinal de reforço da identidade do partido. O CDS é um partido democrático, lutou contra o comunismo e comemoramos o 25 de Novembro. Posto isto, a nossa vocação é o pluralismo e a formalização da TEM é um resultado disso mesmo. O CDS tem que deixar de ser autofágico, temos de somar e não subtrair. A afirmação dos valores que defendemos e da salutar discussão que trazemos à agenda política só pode beneficiar o Partido e o País. É esse o nosso objectivo, ser parte da construção e das soluções.

Que papel desempenhará a TEM na vida interna do CDS-PP? Poderá, de algum modo, influenciar o rumo do partido?
Com toda a clareza, queremos influenciar as políticas e as soluções que o CDS apresentará para resolver os problemas dos portugueses, em particular aqueles que o PS e as esquerdas radicais não têm sido capazes de resolver, reconhecendo que muito do que tem funcionado vem do que foi implementado pela PAF [coligação “Portugal À Frente”], a que o CDS pertenceu. A afirmação das nossas ideias e representatividade tem e terá impacto na vida do partido. Isso vê-se nas propostas que fizemos para tornar Adriano Moreira presidente emérito e terá a sua homenagem no Congresso, da colocação dos 27 nomes dos fundadores do CDS na entrada do Caldas [sede nacional do CDS-PP, em Lisboa] que já foi aprovada. E, talvez o assunto mais mediatizado, a importante discussão sobre se queremos um CDS doutrinário ou um CDS descafeinado, “light”, sem doutrina e só com pragmatismo, respondendo aos gritos do momento.

Sob a liderança de Assunção Cristas, o CDS-PP obteve um resultado histórico nas eleições autárquicas de Lisboa e tem assumido, muitas vezes, o papel de líder da oposição no Parlamento. É sobretudo mérito de Cristas ou também há algum demérito do PSD?
Obviamente existe mérito de Assunção Cristas, pelo empenho que coloca no que faz. Fiz campanha ao seu lado em Lisboa e vi a sua energia e convicção. No entanto, não se pode negar a evidência de um PSD fragmentado, fraco e com uma péssima candidata, a juntar a um Fernando Medina claramente mal preparado para o lugar que desempenha em Lisboa. Agora, com Rui Rio, o PSD está novamente em crise e isso ajuda obviamente Cristas e o CDS. Não podemos é contar com isso.

Considera que o actual CDS-PP ainda é um partido democrata-cristão?
É, será e não poderá deixar de o ser. É a sua razão de ser, a sua doutrina e a matriz, deixará de o ser se rasgarem a sua carta fundacional. A democracia cristã é verdadeiramente a solução política de futuro. Centrada nas pessoas, completa todo um modelo social vocacionado para a paz, a prosperidade e o bem-estar. A democracia-cristã é a fonte inesgotável de soluções para os problemas.

Afirmou recentemente que Manuel Monteiro é “muito bem-vindo” de regresso ao CDS-PP e, aliás, tem convidado o antigo líder do partido para várias iniciativas da TEM. O que significa, para si, o regresso de Monteiro e que efeitos positivos poderá ter esse regresso?
Quando apresentei Monteiro numa conferência que a TEM organizou no ISCSP, há cerca de um ano, com Adriano Moreira e Ribeiro e Castro, caracterizei-o com uma palavra que é honestidade. Manuel Monteiro é isso mas muito mais, um pensador, um homem da direita portuguesa e um político que o povo compreende e reconhece como sendo sério e capaz. Com tudo o que deu ao CDS, o seu regresso só pode ser bom e dá sentido ao “slogan” de Assunção Cristas: “Unir para crescer”.

Porque é que o CDS-PP lida tão mal com os seus antigos líderes?
Esse é um problema psicológico do CDS que merece análise e tratamento. O líder do presente não pode viver atormentado com a sombra do líder anterior. Um ex-líder tem de ser encarado, sempre, como uma mais-valia. Por isso, defendemos há bastante tempo que o Senado tinha de passar dos Estatutos para a realidade, pelo que vimos com agrado a sua posse no Congresso deste fim-de-semana. O CDS teve sempre líderes de enorme craveira e capacidade. A primeira forma de os respeitar, respeitando os militantes, simpatizantes e eleitores do CDS, é tratá-los bem.

A moção de estratégia global que a TEM vai levar a votos no 27º Congresso do CDS-PP propõe uma agenda conservadora que assenta na defesa de princípios éticos “pró-vida” (anti-aborto, anti-eutanásia, etc.), restrições ao divórcio, entre outros exemplos. Considera que a tradicional posição conservadora do CDS-PP em relação a essas matérias está a esbater-se, gradualmente, seguindo a tendência maioritária na sociedade portuguesa? E daí esta iniciativa da TEM para impedir essa mudança de posição?
Não concordo que seja uma agenda somente conservadora. A nossa moção é verdadeiramente inovadora, moderna e projetada para o futuro. Basta ver quando propomos a reforma do sistema eleitoral, a escolha direta em primárias dos nossos candidatos, repensar a existência do Tribunal Constitucional e debater sobre a implementação de um modelo de sistema presidencial. Além de propormos uma auditoria cidadã à dúvida pública, o investimento no interior do país para fixar população, entre tantas propostas que apresentamos…

Mas também apresenta um conjunto de propostas “pró-vida”…
Agora, não existem dúvidas de que para nós a vida começa na concepção e termina na morte natural, pelo que somos contra o aborto e a eutanásia. Para nós, a dignidade da pessoa humana sobrepõe-se à liberdade individual. Em suma, o Estado tem de criar condições para que a mulher não precise de recorrer ao aborto, apoiando-a para que possa ter o bebé e o possa criar ou dar para adopção. Aquela vida merece ser defendida. Do mesmo modo que, no fim da vida, temos de cuidar de quem precisa e o Estado deve colocar os meios necessários a esse fim. Usar a eutanásia como solução fácil para o sofrimento é colocar os mais desfavorecidos e frágeis numa lógica economicista e descartável que colocará as pessoas num verdadeiro corredor do homicídio assistido e validado pelo Estado. É um caminho terrível e com consequências trágicas, como já se vê nos 4 países que praticam a eutanásia. Já agora, dizer que as restrições ao divórcio que propomos tem a ver com a decisão unilateral do divórcio, com o intuito de acautelar os interesses da parte mais desfavorecida. Pelo contrário, o que me parece é que a maioria da sociedade não se revê nestas matérias ditas progressistas e tem uma posição conservadora, porque ser conservador é manter o que está bem e mudar o que está mal. Para nós o “bem” é promover a vida, a saúde e o bem-estar das pessoas. Fará sentido algum tipo de sociedade diferente desta?

Na prática, a agenda conservadora proposta pelo TEM não impossibilitaria o CDS-PP de conquistar os votos ao centro de que necessita para voltar ao poder em breve, ou para se tornar no partido dominante do centro-direita, superando o PSD?
Esse é o erro fundamental. O CDS pode crescer nos 50% de portugueses que não votam, que deixaram de acreditar na política, nos políticos e nos partidos. Ignorar esta maioria de portugueses é um erro. E se o CDS tiver uma doutrina e um discurso clarinho, tornando-se seguro, previsível e confiável, não tenho dúvidas de que crescerá. Se se quiser tornar num PSD “azul e branco”, além de se descaracterizar, perdendo o seu eleitorado, não vai ter os votos do PSD, porque não vão votar no sucedâneo se existe o original. Além do mais importa referir que foi a democracia cristã quem deu 16% ao CDS nas eleições legislativas. Nenhuma das outras soluções deu mais, por alguma razão será…

Na sua perspectiva, que estratégia de alianças é que o CDS-PP deverá aplicar em 2019?
O CDS deve concorrer sozinho, não pode ter medo desse desafio. Só assim poderá crescer e afirmar-se. Depois das eleições europeias, e espero que seja um verdadeiro momento de afirmação de uma candidatura que defenda uma Europa de nações ao invés de um federalismo serôdio e desagregador da Europa, teremos as legislativas. Entendo que o CDS deve assumir a mesma posição que é a de bater-se pelas suas ideias, que espero que sejam diferenciadoras de qualquer partido, pelas suas propostas e soluções. As alianças fazem-se depois, dando resposta as necessidades do país e aos votos dos portugueses. Não me parece que existam sequer condições para alianças prévias com o PSD de Rui Rio.

Esta aparente aproximação entre o PSD e o PS será positiva ou negativa para o CDS-PP?
O PS e o PSD são partidos semelhantes, essa aproximação sempre existiu mais ou menos vincada. O que importa claramente é que o CDS, pelas suas propostas assentes nessa fonte inesgotável da doutrina, seja uma verdadeira opção para os eleitores do centro e da direita em Portugal, que são a vasta maioria, mas que perderam a vontade de votar. Neste sentido, esta aproximação do “centrão” é uma excelente oportunidade para o CDS, assim a saiba aproveitar. Contribuiremos para isso.

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