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Acordo de cooperação cambial com Cabo Verde “devia ser revisto”

O acordo entre Portugal e Cabo Verde é “uma grande vantagem”, dizem especialistas, mas carece de revisão. A economia do arquipélago pode tremer com a instabilidade europeia.
20 Março 2022, 18h00

A economia de Cabo Verde beneficia de “uma grande vantagem, que é o acordo de cooperação cambial que celebrou com Portugal, e que depois alargou à Europa”, considera o professor de Economia, António Rebelo de Sousa, mas considera que “devia ser revisto” para alargar “a facilidade de crédito, que hoje em dia é de 45 milhões de euros”. O acordo em causa foi celebrado no final da década de 90.

António Rebelo de Sousa, que participou na JE Talks que teve como tema central o investimento em Cabo Verde, recordou o seu contributo, que considera “modesto”, para o acordo, e reconhece que a ligação da moeda cabo-verdiana ao euro é “vantajosa”, mas que as circunstâncias presentes causam alerta, “com as reservas cambiais líquidas existentes em Cabo Verde que têm vindo a conhecer uma evolução desfavorável e com o desequilíbrio externo a agravar-se”.

“Era inteligente negociar algum reforço da facilidade de crédito”, que “até agora tem sido suficiente, mas numa conjuntura de guerra que se pode vir a agravar”, poderá não preencher as medidas, reforça.

O presidente do conselho de administração da Bolsa de Valores de Cabo Verde, Miguel Monteiro, pinta também um retrato agridoce do posicionamento externo da economia cabo-verdiana, invariavelmente afetada pela quebra no turismo, fruto de um cenário pandémico. O sector é responsável “por mais de 20% da economia”, clarifica.

Em 2020, o produto interno bruto (PIB) de Cabo Verde registou “a maior queda na sua história: menos 14,8%”, garante o líder da instituição. Contudo, além da inflação, que atingiu 1,9%, há indicadores que revelam oportunidades para as empresas e para os investidores estrangeiros.

Um clima de negócios favorável
Segundo dados apresentados por Miguel Monteiro, em termos do quarto trimestre de 2021, o ritmo de crescimento económico do arquipélago “continuou a acelerar, tendo o indicador de conjuntura nas empresas apresentado o valor mais alto dos últimos sete trimestres consecutivos, o que revela um clima de negócios favorável”, garante.

Sobre estes números e do que eles adivinham para 2022, António Rebelo de Sousa crê que “as expetativas não poderão ser extremamente favoráveis” porque Cabo Verde depende “muito de variáveis exógenas, que por definição não podem ser controladas por nós”. Essas variáveis, segundo o economista, vão além da pandemia e podem até englobar a atual situação de guerra na Ucrânia. Sobre o possível impacto que o conflito pode ter no interesse do investimento externo na economia cabo-verdiana, Rebelo de Sousa diz que depende “se se vai prolongar ou não”, mas garante que “vai afetar também Cabo Verde, porque vai afetar a economia europeia e Cabo Verde está muito dependente da evolução da situação económica na Europa”.

Potencial “incontestável”
Ainda assim, o docente reconhece “grandes potencialidades” no investimento em Cabo Verde e que isso é “incontestável” no caso do sector turístico. Além disso, diz que o interesse se pode estender aos sectores secundário e intermédios, onde há já “uma certa incorporação de tecnologia, porque a mão-de-obra em Cabo Verde, em comparação com outras economias africanas é bastante qualificada”, explica.

Refere ainda o posicionamento favorável de Cabo Verde, como sendo “uma economia com muitas virtudes”, desde logo por ter “good governance” e um histórico de consolidação democrática que considera de “raríssimo em África”. “Tem havido convivência pacífica entre a presidência e o governo, muitas vezes com presidentes que são de orientação política diferente da do partido do governo”, adianta. Além disso, para o economista, “é um país respeitado pelas instituições financeiras internacionais e não tem níveis elevados de corrupção, ao contrário do que acontece em muitos países africanos”. Repete, sem hesitar, que “Cabo Verde é o grande exemplo em África”.

Miguel Monteiro, por seu lado, alerta também que a instabilidade do palco internacional poderá agravar a inflação no arquipélago e que se podem antever “impactos extremos a atrasar um pouco esta recuperação”.

Contudo, a recuperação parece passar também por uma aproximação estratégica aos temas de sustentabilidade e ESG: Monteiro explica que a Bolsa de Valores de Cabo Verde está “a construir” uma plataforma de listagem e transação de títulos sustentáveis. “As social bonds, blue bonds, green bonds, sustainability bonds… Sabemos que em África há um conjunto de países que já fizeram emissões sustentáveis”, esclarece, “contudo, não existe um espaço dedicado exclusivamente a este tipo de instrumentos”.

O objetivo desta plataforma – que se chamará Blue X – é, de acordo com Miguel Monteiro, “servir não só a economia nacional, naturalmente, mas também servir pelo menos a sub-região numa primeira fase e, quiçá, toda a região africana”.

Rebelo de Sousa garante que estes desenvolvimentos, associados às “grandes tradições democráticas” de Cabo Verde, revelam “um grande dinamismo por parte da população, que está empenhada no desenvolvimento do país”.

Reveja esta conversa na íntegra na JE TV, em jornaleconomico.pt

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