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Advogadas do caso Liliana Melo recebem prémio Nelson Mandela

Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves, que defenderam uma mãe de origem cabo-verdiana a quem foram retirados sete filhos para adoção, foram as vencedoras da edição deste ano do Prémio Nelson Mandela.
19 Maio 2023, 12h18

As duas advogadas do mediático “Caso Liliana Melo”, uma mãe de origem cabo-verdiana a quem foram retirados sete filhos para adoção, foram as vencedoras da edição deste ano do Prémio Nelson Mandela, anunciou à Lusa o presidente da Propública.

As advogadas Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves são as escolhidas pelo júri da terceira edição do prémio Nelson Mandela, disse o advogado Agostinho Pereira de Miranda.

No “Dia do Advogado”, que hoje se assinala, as duas juristas foram distinguidas com este prémio ex-aequo porque, “generosamente e ao longo de anos, defenderam nos tribunais nacionais e internacionais, os direitos e a dignidade das crianças”.

Segundo o presidente da Propública – Direito e Cidadania, uma associação privada, independente e apolítica, constituída em junho de 2020, e que tem por objetivo a defesa jurídica do interesse público, os dois nomes foram escolhidos por recomendação do júri e por decisão, por unanimidade, da direção da organização, entre quase 10 candidatos.

O júri era composto por quatro personalidades externas à Propública: os advogados Francisco Teixeira da Mota e Leonor Caldeira, vencedores da primeira e segunda edições do prémio, respetivamente, por Bárbara Reis, jornalista do jornal Público, e a socialista e ex-deputada Ana Gomes, e também pelo presidente da Propública.

O prémio, no valor pecuniário de 10.000 euros – do qual caberá a cada uma das juristas vencedoras cinco mil euros – será entregue no dia 18 de julho, Dia Internacional Nelson Mandela e que celebra a data do nascimento daquele líder africano, também advogado e antigo Presidente da África do Sul, que combateu o regime do ‘apartheid’ no seu país.

“Estas duas advogadas, o que apresentaram de específico, diferente e exemplar mesmo é que trabalharam numa causa de interesse público, a qual visava a proteção dos direitos das crianças e das famílias e fizeram-no gratuitamente durante mais de quatro anos”, salientou Agostinho Pereira de Miranda.

Além disso, “durante esse período revelaram uma enorme coragem, porque eram frequentemente hostilizadas no mérito do seu trabalho, e uma discrição atípica para advogadas que tinham em mãos um processo potencialmente muito mediático”, realçou também o presidente da Propública, que criou o prémio Nelson Mandela.

O processo em causa é o que ficou conhecido como “caso Liliana Melo”, uma mãe de origem cabo-verdiana a quem foram retirados sete filhos para adoção, implicando a inibição do poder parental.

“Sei que o seu trabalho não foi remunerado mesmo quando se dirigiram ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”, destacou o advogado.

Agostinho Pereira de Miranda frisou que as duas advogadas representaram o caso na primeira instância, no Tribunal da Relação de Lisboa, e recorreram três vezes ao Supremo Tribunal de Justiça e duas vezes ao Tribunal Constitucional.

“O que é uma persistência e atitude de defesa dos direitos da sua constituinte, que é raro encontrar-se especialmente no domínio da proteção de crianças e jovens e respetiva jurisdição”, acrescentou.

Na opinião daquele responsável, no atual contexto mundial e nacional, em que há cada vez mais desagregação dos laços sociais e “um aumento brutal das dificuldades” com que estratos da população são confrontados e em que a violência cresce e a guerra também vai progredindo, “e não é apenas a da Ucrânia”, a escolha das duas advogadas foi “muito acertada”.

Quanto ao papel dos advogados de hoje, Agostinho de Miranda diz que há “muito advogados discretos, anónimos, que continuam a trabalhar na defesa de valores comunitários, do bem público e do interesse coletivo”, que a Propública quer homenagear.

Mas, por outro lado, regista o facto de “os advogados que maior responsabilidade têm de assumir a defesa do interesse público, nomeadamente os mais prósperos, aqueles que têm estruturas que permitiriam a assunção de um nível elevado de responsabilidade social serem porventura os que menos fazem”, pelo interesse público.

Na opinião do presidente da Propública, “isso é lamentável, porque há um contrato entre a sociedade e os advogados que é tão ou mais importante que o contrato de mandato, a procuração que é conferida a um advogado pelo seu cliente”.

Por isso, a Propública diz que espera que os advogados mais prósperos “vejam na atribuição deste prémio, por assimetria, o pouco que continuam a fazer de interesse público e pelo bem da comunidade”.

Para Agostinho de Miranda, “os advogados que não defendem a coesão da comunidade em que trabalham estão a cavar a sua própria sepultura”.

Entre 2007 e 2016, Liliana Melo lutou para que lhe fossem reconhecidos os seus direitos parentais, o que conseguiu. As advogadas conseguiram a condenação do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

“Num tempo em que se assiste à desvalorização cívica, corporativa e política da advocacia, Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves são um exemplo de profissionalismo, coragem e resistência”, sublinha a Propública em comunicado.

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