Caiu o pano sobre mais uma das fases conturbadas da vida do PSD: de novo  as eleições directas para Presidente. Dois candidatos se perfilaram, Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva, ainda que espantosamente sem qualquer debate público.

Luís Montenegro foi o vencedor por uma margem inequívoca.

O que há a dizer  sobre estas duas candidaturas?

Em termos analíticos, consideremos alguns conteúdos-chave de ambas as propostas eleitorais. Desde logo, uma normal comunhão de pensamento no que toca a considerar o PS como o grande adversário que é preciso tirar do poder, o que não impede ambos os candidatos de sugerirem que algumas reformas estruturais (saúde, educação, segurança social, justiça, sistema eleitoral, etc.) poderiam ser levadas a cabo mediante negociação entre PS e PSD. Contudo, também ambos concluem que o PS  nunca alinharia na negociação de propostas reformistas (Rui Rio bem esperou, mas “foi à vida”), pelo que esta abertura de portas era para ambos os candidatos considerada como que inviável.

Mas vamos às diferenças explicitadas entre as duas candidaturas.

Assim Luís Montenegro parece visar, sobretudo, a reconstrução de um partido dito hegemónico à direita, desde logo adversário do PS, mas com preocupação frontal de captar os votos antes conquistados pelo Chega e pela Iniciativa Liberal. Com efeito, Luís Montenegro integra nas suas características um lado mais truculento e emotivo, adequado a um combate que pré-definiu (atacar o PS com mediatismo), mas que não pode deixar de ter em conta uma conflitualidade latente com os partidos à sua direita, em especial o aguerrido Chega, a quem quer caçar votos.

Reparemos que para Luís Montenegro o Chega parece não ser um “elefante na sala”, resta desgastá-lo com votos a favor do PSD (pelos vistos, Montenegro apela veementemente a um PPD renovado) e quanto a alianças futuras, se o PSD for verdadeiramente líder à direita, bastará que no programa político de um eventual governo não sejam incluídas ideias racistas, nacionalistas, xenófobas, anti sociais, etc..

Por outro lado, quanto ao relacionamento com a Iniciativa Liberal, com certeza que se trocarão argumentos face à diferença de algumas políticas, embora num tom mais conciliador e, quem sabe, propiciador de um futuro – ainda que informal – bloco social-liberal, se a votação do Chega tal não obstaculizar (dado que para a IL o Chega parece ser uma linha vermelha). Em suma, situação complicada!

Para o projecto claramente derrotado de Jorge Moreira da Silva, o Chega constitui de facto uma linha vermelha. Sendo assim, poderia estabelecer laços de articulação, em certos domínios, com a Iniciativa Liberal (contando com um renascido CDS?), e sobretudo atacaria o eleitorado que votou no PS, designadamente aquele mais de centro, com a convicção do imobilismo do PS e, sobretudo, do desgaste que quase dez anos de governação acabarão por trazer ao de cima.

Esta visão, a meu ver, fortaleceria um centro político diversificado (onde se ganham as eleições), não passando o país pela hipótese de correr algum risco de uma mais ou menos aparente constituição duma frente de direita, com a inevitável consequência de, pelo menos, se verificar em resposta um “afloramento” de uma espécie de frente de esquerda. Ou, ainda mais, não vá aparecer um dia destes um “iluminado” dito independente que absorva o centro político alargado deixando como alternativas os extremismos políticos (veja-se o caso de França, de certa forma)

Verdade se diga, no entanto, que se o vitorioso Luís Montenegro apresentar um PPD com efectiva hegemonia no espectro direito do espaço político, daí não virá “mal ao mundo”. É simplesmente a democracia liberal europeísta a funcionar. Pior, a meu ver, será se não o conseguir.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.