Bernard von NotHaus foi preso por ter criado em 1998 o American Liberty Dollar, ou ALD. Queria “ser para a Reserva Federal o que o Federal Express é para os Correios”. Foi também o fundador da Royal Hawaiian Mint Company e, talvez para estimular a reflexão, do Cannabis Spiritual Center.

O ALD ganhou rapidamente adeptos, pois conservava o seu valor ao contrário do dólar, que o perdia devido à inflação. Em 2007 havia 250 mil detentores de ALD e 85 milhões de ALD emitidos, ultrapassando a Ithaca Hour e congéneres e tornando-se a segunda mais popular moeda nos EUA.

O sucesso do ALD fez os problemas começar: o Tesouro publicou um aviso em 2006 dizendo que era moeda falsa, e von NotHaus interpôs um processo em 2007 por falsas acusações. Foi alvo de uma busca pelo Serviço Secreto e pelo FBI, moedas e equipamentos foram confiscados e foi preso e levado a tribunal, acusado de falsificar moeda, fraude e conspirar contra o Estado. Acusações ridículas por o sucesso da ‘sua’ moeda repousar em não ser confundida com o dólar e, quanto a fraude, nunca tentou enganar ninguém com o que era o ALD.

É curioso que a Reserva Federal dos EUA (Fed) possa ‘enganar’ os americanos com uma moeda que desde 1914 perdeu 95% do seu valor e prenda quem cria uma cujo valor aumentou quase 100% em dez anos.

Já agora, note-se que von NotHaus era previdente: tinha mudado o nome da empresa que cunhava o ALD de National Organization for the Repeal of the Federal Reserve and the Internal Revenue Code” para Liberty Services. Mesmo assim, em 2011 foi sentenciado a seis meses de prisão e três anos de pena suspensa, mais tarde reduzidos para um (o tribunal também ordenou a restituição dos bens apreendidos).

Vem isto a propósito das criptomoedas. A sua existência é um risco para as moedas “oficiais”: já há hoje um volume significativo de transações feitas em criptomoeda, e se houver inflação é provável que sejam também moeda de refúgio.

Uma machadada na eficácia da política monetária, que se manterá importante para a concessão de crédito, mas deixará de ser usada nas transações: serve para comprar a crédito por ter curso legal, mas a primeira coisa que o fornecedor fará é converter o que recebeu em criptomoeda, com medo que perca valor; a simples conversão provoca a desvalorização da moeda oficial, uma self-fulfilling prophecy.

E uma criptomoeda tem outras vantagens, por exemplo, nas transações transfronteiriças, que podem ser feitas sem envolvimento de um terceiro agente, muito mais rapidamente e com menores custos. Mas não serve para política económica, pois não ser emitida livremente torna-a inútil para contrariar o ciclo económico. Não vale a pena à Fed criar uma criptomoeda que não pode controlar. É o dilema rules versus discretion no limite.

Satoshi Nakamoto, o criador da bitcoin, só ainda não foi preso porque ninguém sabe quem é. O que só prova que é verdadeiramente inteligente.