Muito possivelmente, o feriado do 1º de maio é a única data consensualmente celebrada e comum a todos os Estados, independentemente da sua forma de organização do poder político. Nas repúblicas ou monarquias, democracias liberais ou regimes autoritários, Estados capitalistas ou comunistas, em todos o Dia do Trabalhador é formalmente assinalado com pompa e circunstância.
Infelizmente, nos últimos dois anos, a coberto do combate à pandemia, como se a distribuição assimétrica dos rendimentos existente não fosse já suficiente perniciosa, assistimos a um acentuar das desigualdades em desfavor do fator trabalho. A este propósito, refira-se, não é preciso ser marxista, o que não sou, ou influenciado pelas teses de Karl Marx, para constatar o óbvio ululante e que, aliás, está bem documentado por reputadas instituições internacionais. As desigualdades continuam a agravar-se um pouco por todo o mundo.
Desigualdades que não parecem preocupar por aí além o senhor primeiro-ministro, António Costa. O Orçamento do Estado (OE), na sua versão deste mês, parece ser estranhamente similar às versões do ciclo do senhor ex-ministro das Finanças, Mário Centeno. Sem que os portugueses se apercebam, o OE vem consolidar um enorme aumento de impostos sobre as famílias, através de não atualização das tabelas dos escalões de IRS, da inflação e de um aumento mínimo para os funcionários públicos. Na prática, os trabalhadores dos setores público e privado estão a ser sacrificados em benefício das remunerações de acionistas (e do capital) e do combate ao défice.
Ora, num contexto político, económico e social de maioria absoluta, hoje mais do que nunca, o movimento sindical não se pode abster de ter uma função assertiva e combativa. Dito por outras palavras, um papel não constrangido por lealdades e prioridades exteriores aos interesses dos trabalhadores.
Permitam-me, aliás, que a partir daqui enderece uma especial saudação aos sindicatos sem quaisquer obediências ou filiações, aqueles que são verdadeiramente independentes e sem amarras, e por isso não alinhados com estratégias de poder partidário. Alguns deles integram a União dos Sindicatos Independentes (USI), confederação sindical constituída em 2000, a que tenho o orgulho e a honra de presidir.
Estou absolutamente convicto que a independência dos sindicatos é uma condição absolutamente crucial para lutar contra o empobrecimento de trabalhadores e reformados. Porque os sindicatos independentes são consistentes na sua doutrina e prática, focados apenas e só nos interesses dos trabalhadores que representam (e que, por isso, não assinam acordos minorantes para os trabalhadores).
Ainda se justifica a comemoração do 1º de maio?
Claro que sim. Os desafios mudam, assumem novas roupagens e formatos aparentemente diferentes (teletrabalho, plataformas digitais, etc.), mas no essencial o tempo não muda o seu objeto: a defesa, sempre difícil e desafiante, do desprotegido fator trabalho. Sem outras lealdades que não seja perante os trabalhadores que os sindicatos têm o privilégio e a hora de representar.
Viva o 1º de maio!