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Alargamento aos Balcãs é enorme desafio para a União Europeia

Seis países, seis realidades diferentes, com alguns problemas que se multiplicam por seis. Os extremismos e a euroceticismo são duas questões desconhecidas.
4 Maio 2018, 08h05

Borut Pahor, atual presidente da Eslovénia, é perentório: se a União Europeia não incorporar no seu interior os países dos Balcãs Ocidentais, a região retrocederá décadas e reacender-se-á o perigo de uma nova guerra devastadora – como a que ali aconteceu na sequência do desaparecimento da Jugoslávia e do cimento agregador (qualquer que ele tenha sido) do ‘velho’ Marechal Tito.

Em entrevista recente do presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker ao jornal “Financial Times”, o luxemburguês concordou com esta teoria e, alimentado pela vontade da Bulgária, que neste momento preside ao Conselho da União Europeia, deu nova força aos seis processos de adesão: Montenegro, Sérvia, Macedónia, Albânia, Bósnia-Herzegovina e Kosovo. De fora está, na prática, a adesão da Turquia, que, como disse ao Jornal Económico o investigador e professor da Universidade Portucalense André Pereira Matos, “já não faz parte deste grupo”, dada a incapacidade, dos dois lados, de ultrapassarem os diversos atritos criados ao longo do processo.

O facto de a Bulgária ter feito regressar o alargamento ao topo da agenda comum percebe-se: Sófia está a milhares de quilómetros do centro da Europa e, entre a sua fronteira noroeste e as povoações que ocupam o sul da Áustria, está todo o enorme campo de batalha onde a ‘Grande Sérvia’ tentou (entre 1991 e 2001) uma hegemonia territorial que ninguém lhe reconheceu.

Genericamente e mais cedo ou mais tarde – em princípio e se tudo correr bem em 2025 – a União Europeia vai agregar mais cerca de 18 milhões de consumidores com um nível de vida muito inferior ao do resto do agregado, com economias envelhecidas e pouco produtivas, aparelhos de Estado ou insipientes ou minados pela corrupção e sistemas políticos aproximados às democracias ocidentais nuns casos ou ainda bastante afastados delas em outros.

Seja como for, e este é um dado não despiciendo, a União já investiu nos Balcãs Ocidentais, só no âmbito da cláusula ‘preparação para a entrada’, cerca de nove mil milhões de euros (nomeadamente por via do Western Balkans Investment Framework), a que se deve juntar quantia semelhante (cerca de oito mil milhões) em empréstimos àqueles países, patrocinados pelo Banco Europeu de Investimentos (BEI).

Ocidente e Oriente

Mas esta é a parte da incorporação que a Comissão Europeia não escamoteia: a maioria dos dossiês abertos com aqueles países no âmbito do alargamento da União aos Balcãs tem precisamente a ver com a organização dos aparelhos de Estados e com a ‘imposição’ dos normativos democráticos básicos.

O problema é que há outra parte, como afirma Pereira Matos, que não consta dos memorandos que a Comissão vai organizando para provar que não se esqueceu do assunto do alargamento. Nessa outra parte, duas questões prometem ser as que mais trabalho vão dar aos que, na União Europeia, têm por função esmiuçar os países do alargamento: o provável reforço do número de países da União onde as forças da extrema-direita estão no poder ou em vias disso – o que para todos os efeitos quer dizer que entraram para a União países onde os sentimentos antieuropeu e eurocético são muito fortes; e um novo confronto de interesses com a Turquia, que elegeu os Balcãs como uma das regiões onde lhe interessa aumentar a sua capacidade de influência.

Como o investigador da Portucalense chamava a atenção, a Turquia tem-se desdobrado em visitas aos países balcânicos, principalmente no que diz respeito à Bósnia, Kosovo e Sérvia – onde as comunidades muçulmanas continuam a ser importantes. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, visitou os países dos Balcãs – desde que em 2003 passou a estar no topo da hierarquia do poder, como presidente ou como primeiro-ministro – por 15 vezes. Com especial destaque para a Bósnia-Herzegovina, onde esteve por seis vezes. A sua última visita à região, organizada em outubro passado, foi à Sérvia.

Cada visita pressupõe que Erdogan trás na bagagem acordos económicos, proteção financeira e convites para parcerias. Como trás também pedidos, sendo os que mais podem influenciar a política externa na União os que têm a ver com a gestão da muito conhecida rota dos Balcãs – usada na entrada de refugiados vindos da Síria e de África na Europa – e com o domínio do Mar Negro e dos estreitos do Bósforo e do Dardanelos, que o ligam ao Mediterrâneo, e que tantas disputas tem motivado entre a Turquia, a Grécia e Chipre.

Outro problema, esse com certeza mais demorado de ultrapassar, com contornos mal definidos e cuja solução de facto só pode passar pela União Europeia, é a reserva com que cada país dos Balcãs observa todos os outros. Para os analistas, o período da Jugoslávia – em que, como dizem os historiadores, o comunismo substitui (pelos vistos apenas provisoriamente) as três (ou quatro) religiões que se digladiam no terreno, católicos, ortodoxos e muçulmanos (e também judeus) – é atípico. E o que separa cada uma das etnias continua a existir, o que é uma péssima notícia não só para a região, como para a Europa – que a quer transformar na geografia da União mais próxima do ‘caldeirão’ do Médio Oriente.

Problema bem menos complicado, em princípio, é a diferença de ‘andamentos’ que cada país conhece dentro das suas fronteiras.

Montenegro

O país foi marcado pelo baixo nível de confiança em relação ao quadro eleitoral recente, e o prolongado boicote parlamentar de toda a oposição desde as eleições parlamentares de outubro de 2016 não ajudou. “O cenário político permanece fragmentado, polarizado e marcado pela falta de diálogo político, nomeadamente nas instituições democráticas”, alerta a própria Comissão Europeia.

A União propõe para o imediato: uma reforma eleitoral; fortalecimento da transparência; participação das partes interessadas na capacidade do governo de implementar reformas e políticas coordenadas; melhoria dos mecanismos para consulta do governo a organizações da sociedade civil; melhoria dos processos de luta contra a corrupção, que é predominante em muitas áreas; mais resultados contra o tráfico de imigrantes e o narcotráfico; direitos da minoria cigana e direito a uma imprensa livre ainda não foram alcançados.

Macedónia

A União diz que, desde maio de 2017, o novo governo orientado para as reformas tomou medidas para enfrentar a captura do Estado, restaurando gradualmente os mecanismos de controlo e fiscalização, fortalecendo a democracia e o Estado de Direito. As eleições municipais de outubro de 2017 confirmaram o apoio dos cidadãos às políticas da coligação governamental orientadas para a União Europeia. O Parlamento continua a funcionar com os partidos da oposição que presidem a comissões-chave.

Mas há alguns alertas: a situação interétnica (novamente a questão dos ciganos) precisa de ser seguida de forma transparente e inclusiva. O país está “moderadamente preparado” para a reforma da administração e das finanças públicas. Em dossiês críticos – sistema judicial; luta contra a corrupção; luta contra o crime organizado; quadro jurídico e institucional para a proteção dos direitos fundamentais; liberdade de expressão; relações com os países vizinhos; e a gestão da crise migratória e dos refugiados – a Macedónia parece estar no caminho certo.

Albânia

A forte crise política entre o início de 2017 e maio passado afetou o país na generalidade e a implementação das recomendação europeias em particular. Mesmo assim, segundo a Comissão, a Albânia está moderadamente preparada para a reforma da administração pública, nomeadamente no que tem a ver com a prestação de serviços. O mesmo se passa com o sistema judicial e a luta contra a corrupção e contra o crime organizado, mas houve poucos progressos no desmantelamento dos grupos criminosos organizados.

Por outro lado, segundo a Comissão, a Albânia ratificou a maioria das convenções internacionais de direitos humanos – apesar de haver dificuldades ainda no que diz respeito aos ciganos – e fez progressos na proteção dos direitos humanos e na liberdade de expressão. Nota importante: é proativa na cooperação regional e na manutenção de boas relações com os países vizinhos. De forma quase inédita na região, a Comissão considera que o país “dispõe de algum nível de preparação em termos de capacidade para fazer face à pressão da concorrência e às forças de mercado da União Europeia.

De qualquer modo, “o reforço da transparência e da responsabilização, em especial a garantia de um funcionamento eficaz, eficiente e transparente do sistema de contratos públicos e da gestão das finanças públicas”, continua a ser essencial.

Kosovo

O Kosovo realizou eleições antecipadas em junho de 2017, mas, até agora, a nova coligação governamental “teve um sucesso limitado na apresentação de reformas relacionadas com a União Europeia e na construção de consenso sobre questões estratégicas fundamentais”. Mas, segundo a Comissão, a ratificação do acordo de demarcação fronteiriço com o Montenegro, em março de 2018, “foi um avanço importante”.

O quadro político muito instável leva a uma contínua politização da administração pública, que é pouco independente. No edifício jurídico as coisas estão melhores: “a integração dos juízes e procuradores sérvios do Kosovo e do seu pessoal (kosovar) no sistema judicial do Kosovo foi uma grande conquista em 2017”, mas o poder judicial “continua vulnerável a influências políticas indevidas e as instituições do Estado de direito necessitam de esforços sustentados para reforçar as suas capacidades”.

Vários dossiês têm, na opinião da Comissão, de ser rapidamente melhorados: a luta contra a corrupção, nomeadamente no que diz respeito ao historial de investigação e repressão de casos de corrupção de alto nível e de criminalidade organizada; a luta contra o crime organizado; a aplicação (a lei já existe) da proteção dos direitos humanos e das minorias (ciganos); a economia informal continua generalizada.

Sérvia

O país realizou eleições presidenciais em abril de 2017 e um novo governo assumiu funções em junho, tendo continuado empenhado na integração na União Europeia. Mas precisa de fazer mais, segundo a Comissão. A normalização das relações com o Kosovo surge no topo da lista das preocupações europeias, que se estendem também ao progresso do Estado de direito; à liberdade de expressão; à eficiência do sistema judicial; e à luta contra a corrupção e o crime organizado.

Do outro lado, as reformas económicas continuam a produzir resultados, “especialmente em termos de estabilização macroeconómica”, mas persistem lacunas graves em termos de reformas estruturais na administração pública, na autoridade tributária e nas empresas estatais.

Bósnia-Herzegovina

“Apresentou, a um ritmo lento ao longo de 2017, em especial no que se refere à agenda das reformas. É necessário intensificar os esforços de reforma orientados para a UE, a fim de abordar os problemas estruturais profundamente enraizados que têm atrasado o desenvolvimento do país”, considera a Comissão.

A União elenca um vasto número de dossiês a carecer de melhor atenção: assegurar a organização adequada das eleições de outubro de 2018 e a boa execução dos resultados, que passa por encontrar uma solução para a chamada Câmara dos Povos da Federação; o reforço do Estado de direito e da administração pública; a aproximação jurídica do país às práticas europeias; a administração pública permanece ineficiente e fragmentada.

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