Nas últimas décadas, o crescimento da procura por formação superior tem criado dificuldades aos governos em manter um financiamento robusto no ensino superior. Apesar disso, em diversos países europeus não são cobradas propinas, sendo que, em Portugal, o valor máximo das propinas de licenciatura no ensino público tem vindo a ser reduzido, fixando-se nos 697 euros anuais.

No debate em torno das propinas, enquanto os defensores de um ensino superior gratuito consideram as propinas uma barreira financeira que exclui os estudantes mais desfavorecidos, os apoiantes das propinas entendem-nas como uma fonte de receitas que permite aumentar o financiamento das universidades e reforçar o apoio financeiro aos estudantes mais pobres.

Conhecer melhor o ensino superior público em Inglaterra, que passou de um sistema gratuito para propinas anuais de 10.700 euros, pode enriquecer esta discussão. Até 1998, à medida que o número de estudantes aumentava, as contas públicas iam sendo cada vez mais pressionadas, obrigando à introdução de controlos ao número de estudantes, enquanto o investimento por aluno caía para mínimos históricos e o objetivo da igualdade de acesso ao ensino superior não estava a ser alcançado.

Face ao desinvestimento crónico, em 1998, foram introduzidas propinas de licenciatura até 1.000 libras (1.167 euros). Em 2006, as propinas aumentaram para um máximo de 3.000 libras (3.500 euros)por ano, em 2012 para 9.000 libras (10.500 euros), e, em 2017, para as atuais 9.250 libras (10.700 euros) anuais.

Em paralelo, novos mecanismos de financiamento foram implementados. Atualmente, os estudantes de licenciatura são elegíveis para um empréstimo no valor das propinas e para um empréstimo de subsistência, com um valor máximo de 12.382 libras (14.326 euros) por ano. Os reembolsos dos empréstimos só se iniciam após a graduação e apenas se o rendimento anual ultrapassar as 27.295 libras (31.581 euros), sendo que, neste caso, o reembolso do empréstimo corresponde a 9% do rendimento acima desse limite.

Diversos autores avaliaram estas alterações, entre os quais Murphy et al. (2017), que constataram que, desde 1998, os recursos para o ensino superior têm aumentado consistentemente e a liquidez dos estudantes aumentou tão drasticamente como as propinas. O número de estudantes, nomeadamente os mais desfavorecidos, continuou a subir, e a diferença na participação universitária entre grupos socioeconómicos manteve-se estável. Azmat e Simion (2020) concluíram que os aumentos das propinas em 2006 e 2012 reduziram ligeiramente as inscrições no ensino superior, sendo esta descida concentrada nos estudantes mais favorecidos, devido à proteção financeira assegurada aos estudantes mais pobres.

Todavia, este sistema não é isento de críticas devido às enormes dívidas geradas. No momento da graduação, a dívida média dos estudantes que recebem os empréstimos máximos será de 51.000 libras (59.019 euros), com os graduados das famílias mais pobres a contraírem as maiores dívidas. Por outro lado, é expectável que 77% dos estudantes acabe por não pagar a totalidade da dívida.

A experiência inglesa até 1998 demonstra que a falta de financiamento no ensino superior pode levar à diminuição da qualidade do ensino, e à escassez de recursos para apoiar os estudantes mais carenciados e a uma menor participação universitária destes. A experiência posterior demonstra que as propinas não constituem necessariamente um obstáculo para um maior acesso e equidade no ensino superior, se conjugadas com um sistema de financiamento e de apoio financeiro bem elaborado e implementado.

Em Portugal, na esfera privada, surgiu recentemente um programa de bolsas reembolsáveis (ISA FJN) lançado pela Fundação José Neves, com um modelo de reembolso similar ao inglês. Os resultados positivos que este modelo de financiamento gerou em Inglaterra, mas também na Austrália e Nova Zelândia, levam a questionar se as políticas públicas em torno do ensino superior em Portugal deveriam ter apenas em consideração a redução das propinas ou se se deveria procurar uma via alternativa.

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.