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Alberto João Jardim: “Costa foi aselha. Fogos e Tancos impedem uma maioria absoluta do PS”

Costa é “inteligente”, afirma Jardim, mas cometeu erros que lhe custam uma maioria absoluta neste momento. “A sorte dele é ter Passos no PSD”, diz.
  • Helder Santos
4 Agosto 2017, 09h30

Surpreendeu-o a estabilidade governativa da “geringonça”?
Não. Repare: Portugal é um paradoxo. Dizia-lhe há pouco que a Constituição de 1976 foi feita para evitar uma guerra civil. Foi um acordo entre o PS, o PPD e as forças moderadas, as Forças Armadas, a Igreja e o Partido Comunista (PC). Mas já na altura o PC era um tigre de papel a quem foi dada demasiada importância. Agora o que é preocupante é que, juntando os votos do PC e do Bloco – que é trotskista, como sabe, e portanto comunista, não me venham com tretas –, Portugal tem uma coisa que no resto da Europa já não há: 20 por cento dos votos estão na extrema-esquerda.

Mas uma grande parte desses votos será de protesto…
Não sei se são votos de protesto, mas 20% dava para fazer uma revolução., à vontade. Há aqui dois problemas diferentes: no caso do PC, é um partido envelhecido. No caso do Bloco de Esquerda a coisa é mais complexa mas vai ter o destino de toda a esquerda caviar. Quando a burguesia brinca à esquerda, não vai a parte nenhuma. Ora, como é que um país como Portugal pode ter 20% de votos nestes partidos quando na Europa os partidos comunistas desapareceram? O que é que está errado, na educação ou na informação? Há aqui qualquer coisa que está errada para estes tipos representarem 20%. Mas isto representa também um falhanço da partidocracia dos outros três partidos. É politicamente correto não enfrentar os comunistas. É politicamente correto não pôr estes assuntos sobre a mesa. Em vez do senhor Passos Coelho se pôr a falar que houve suicídios não sei onde e nós rirmos todos à gargalhada, o importante é que estas questões sejam faladas.

Há um legado do Estado Novo. Afinal, os comunistas estiveram na primeira linha da resistência ao fascismo.
A Espanha teve um fascismo muito mais feroz que Portugal e, no entanto, lá, o Partido Comunista é uma peça museológica. Têm o Podemos, que é uma espécie de Bloco de Esquerda menos burguês que o português. Mas há qualquer coisa que está mal em Portugal.

Afirma que não ficou surpreendido com a estabilidade desta maioria. Porquê?
Não fiquei porque esta gente, a esquerda radical, tem algumas causas, mas não tem um programa alternativo. Tem causas fracturantes, mas essas causas não fazem uma ideologia. Como só têm causas fraturantes, não têm um projeto político alternativo. Portanto, o que lhes resta? Impedir que o inimigo principal, a direita, esteja no poder. “Tudo menos a direita”, diz o PC. De maneira que o António Costa, que é um homem que conheço pessoalmente e que considero inteligente, jogou muito bem com isto tudo. Eles andam ali quietinhos, com medo que a direita vá para o poder. Mas vão ser “comidos”. Porque o Costa está a ter um sucesso que tenho de reconhecer, apesar da fragilidade que ele teve no seu próprio Governo, na questão de Pedrógão. Acho inadmissível que se pegue em tragédias para fazer política. Aí, o PSD esteve francamente mal. O PSD devia ter perguntado ao Governo como é que um mês depois se repetem os mesmos erros.

Refere-se ao incêndio de Mação?
Sim, repare, as mesmas comunicações não funcionaram, a mesma quadrícula não existia sobre o terreno… tudo errado. O PSD devia ter explorado como é que se proíbem os comandantes dos bombeiros de falar. É um caso de censura vergonhoso em qualquer país democrático. Portanto, pensava que o Costa ia sair melhor disto, mas não. Ele mostrou uma certa fragilidade. Só tinha uma maneira de sair bem disto, que era dizer ao País: “Eu não sou frágil. Frágeis são estes ministros tontos que tenho aqui”. O caso de Tancos é de um ridículo total.

Devia ter havido demissões?
O Chefe do Estado Maior do Exército devia ter sido imediatamente demitido. Eu fiz tropa e nunca vi suspender por uns dias cinco comandantes, ainda por cima de estabelecimentos militares onde está gente do mais qualificada a comandar. Isto é o mais grave. Não é um coronel qualquer. São estabelecimentos com forças de elite. E o Costa, aqui, navegou completamente… o Costa ia numa embalagem em que, qualquer dia, poderia dizer: “já não estou para aturar a geringonça, porque já tenho uma base para a maioria absoluta”. Mas comprometeu essa base para uma maioria absoluta com a sua aselhice nas questões dos incêndios e de Tancos. O Costa foi aselha, coisa que não tinha sido durante dois anos. Deve ter sido do calor estival.

A ministra da Administração Interna deveria ter sido demitida?
Sim. Nestas coisas corta-se o mal pela raiz. Sei que é uma excelente pessoa, uma rapariga interessantíssima, mas era demitida, não havia outra coisa a fazer. E o ministro da Defesa também.

Em suma, não acredita numa maioria absoluta do PS.
Neste momento é impossível, pois houve muita asneira. A sorte do Costa é ter Passos Coelho como ‘challenger’. Essa é a sorte dele.

Não é, como se vê, apoiante de Passos Coelho. Como vê a situação do PSD?
Vamos aguardar pelas eleições autárquicas. Embora o PSD signifique mais a nível de eleições autárquicas do que significa a nível nacional neste momento. Há muita gente que vai votar nos autarcas do PSD, mas que não quer ouvir falar de Passos Coelho.

O que é para si um bom resultado para o PSD nas autárquicas?
Em política só há um bom resultado: ou se ganha ou se perde. O bom resultado é ganhar.

Portanto, o maior número possível de autarquias?
Sim, o maior número possível. Aqui na Madeira, as eleições que pior me correram foram autárquicas, mas foi o atual poder [do PSD Madeira, liderado por Miguel Albuquerque] que mandou votar na oposição, porque pensaram que eu ia embora no dia seguinte. Agora vai engolir o que semeou. Ele [Albuquerque] dava entrevistas a nível nacional a dizer que unia o PSD, mas não, ele é que dividia o PSD.

Mas como vê o atual panorama dos partidos portugueses?
Sou macroniano neste momento. Acho que muita coisa ocorreu no mundo. Os partidos tradicionais, inclusive o meu, nestes países todos democráticos, estão condenados. Continuam a funcionar como se tivessem uma função didática junto da sociedade. Hoje, há já um volume de educação nas nossas sociedades em que as pessoas são fatalmente críticas. Hoje, o normal é a distância do indivíduo, quanto mais educação tem mais distante é em relação à política.

Mais cético?
Não é céptico, permita-me que corrija. É mais crítico em relação à política. O grande desafio da democracia moderna é não destruir a democracia representativa em função deste individualismo crítico que – insisto nesta palavra – legitimamente apareceu, devido ao maior grau de educação, que permite agora às pessoas terem uma maior distância face à política. O problema está em a arte política saber articular a democracia representativa – porque ela, a certa altura, tem de decidir e não pode decidir na rua – com a maior proximidade dos cidadãos. A democracia, ao contrário do que se diz, não pode ser uma democracia de proximidade. Ninguém consegue governar em proximidade. Tem é que saber lidar e adaptar a representatividade à proximidade.

Ou seja, os partidos têm de entrar numa nova era?
Por isso é que eu digo que estes partidos não têm conserto. É preciso que esta transformação não dê espaço para o triunfo das causas radicais à esquerda e à direita. Porque essas têm outra caraterística. Elas criticam objetivos, factos, mas não têm programas alternativos e concretos à democracia representativa. E volto ao mesmo. É preciso defender a democracia representativa sem deixar entrar os populismos de direita e de esquerda, mas sabendo ver qual é a nova distância entre a democracia representativa e a proximidade.

Diz que está numa fase “macroniana”. É admirador de Macron?
Não sou admirador nem de Macron nem do Trump. Portugal é claramente uma partidocracia e, como independente, não pode ser-se candidato a deputado. Votamos em listas não votamos em listas uninominais, não sabemos quem é o nosso deputado. A Constituição de 1976 foi um acordo para evitar uma guerra civil. Só isto. Por exemplo, o sistema de justiça é sovietizado em Portugal. Neste momento tem de sair da partidocracia para ir à meritocracia. Este sistema partidocrático não faz meritocracia porque é o aparelho que decide quem são os melhores. Algo tem de suceder. Penso que vai ser com novos partidos. Tanto o PSD nacional e da Madeira como os outros partidos não têm solução. Está uma pressão de gente lá inscrita que nem é social-democrata nem sabe o que é social-democracia. Encheram aquilo, pagam-lhes as quotas e pelo menos o tacho dentro do partido está garantido. Você viu o Passos Coelho dizer na televisão que, por muito maus que sejam os resultados, não sai. Esta gente não larga.

Passos disse que ainda tem condições para voltar a ser primeiro-ministro. Acredita nisso?
Sim, sim. Ele disse muita coisa. Desde que era da JSD que eu não lhe ligava muito e deve ser por isso que ele não gosta de mim. Com este sistema penso que têm de aparecer coisas novas. Alias, é a própria evolução social que o está a pedir. O Trump não pode ser um sinal definitivo, Deus nos livre! Vamos salvar a sociedade recorrendo outra vez ao neoliberalismo?

Mas como pode haver margem para aparecerem novos partidos, se, como afirma, pouca gente acredita em alguma coisa?
Por isso mesmo é que os novos partidos terão que dar ideologia e isso não quer dizer que tenha de ser tudo completamente novo. Atenção. Há valores que se mantêm. Na social-democracia existem valores que se mantêm. O grande desafio é saber como se adaptam estes valores ao século XXI e como se mantém a democracia representativa – essa tem de ser salvaguardada.

Portugal precisa de uma nova Constituição?
Isso é o que tenho dito. A originalidade é do Sá Carneiro e eu acho que sou dos últimos no partido que são sá carneiristas.

Identifica-se com a linha social-democrata do PSD. O partido está demasiado liberal?
Não está liberal. Acho que é nada neste momento. É um partido que anda ao sabor da corrente. É outro problema dos tempos atuais. A força que ganhou a opinião pública, o peso que tem a tal crítica mais abundante que felizmente a generalização da educação permitiu, faz os partidos pensarem em termos muito mais imediatistas do que mediáticos. Os partidos perderam a noção de Estado, a noção de a certa altura saber dizer não à opinião pública. Durante 40 anos, disse não à opinião pública muitas vezes e nunca perdi as eleições por causa disso. As pessoas acabam mais por respeitar quem não lhes faz a vontade e acaba por ter razão, em vez de andar a reboque.

Além disso, teve sempre uma relação atribulada com a comunicação social.
A minha relação com a comunicação social, como sabe, foi horrível, sempre. Não é que esteja arrependido.

Porque é que acha que isso aconteceu?
Porque a comunicação social, a certa altura, constituiu-se como um quarto poder. Tenho um conflito ideológico com a estrutura da justiça em Portugal. E tenho medo dos poderes que não são eleitos, como o sistema de justiça sovietizado. Isso resulta do acordo constitucional de 1976. Quando o Ministério Público se senta no mesmo plano do juiz no tribunal isso é soviético, quando uma denúncia anónima é suficiente para abrir um processo, isso é soviético.

Mas não concorda que a comunicação social tem de escrutinar o poder político?
Isto é uma opinião muito pessoal. Penso que na comunicação social se deu um fenómeno semelhante ao da justiça, em que se acha que os políticos são todos uns malandros e há uma missão de serem os justicialistas da sociedade. Se calhar fizeram isso com a maior sinceridade e coerência possível. Mas o justicialismo é sempre perigoso nas vezes em que não tem razão. E era natural que nas vezes em que não tinha razão e me tocavam a mim, eu me defendesse. Mas tive o azar de viver num país em que os políticos são cobardes perante a comunicação social. Eu nunca tive medo da comunicação social. Achava que, se a comunicação social me atacava, eu também tinha o direito de a atacar. E portanto fui mais honesto e sincero com a comunicação social do que aqueles políticos que não a enfrentavam mas iam por trás queixar-se da comunicação social, inventar histórias falsas sobre a comunicação social e gizar leis para limitar a comunicação social. Eu, ao menos, fui honesto. Enfrentei-os.

Acha, portanto, que foi mais honesto da sua parte ter essa atitude mais dura.
Sim, o confronto é mais honesto. Estou a ler um livro muito interessante, de um professor de Ciência Política basco, cujo nome não me recordo neste momento. Ele tem uma teoria que diz que tudo tem de ser feito pelo consenso, dado que a sociedade é composta por pessoas que pensam de forma diferente e por isso a única forma de haver estabilidade é pelo consenso. Estou a gostar muito do livro, mas tenho muitas dúvidas sobre isto. Nunca governei em consenso.

Mas tem de haver algum consenso básico sobre questões como o sistema de governo, ou direitos individuais como a liberdade de expressão. Ou não?
Claro. Mas temos de poder apurar esse consenso e, em Portugal, não podemos fazer isso porque temos a figura do referendo constitucional proibida na Constituição. Você acha que a partidocracia vai apurar o consenso? O consenso será o que querem as direções partidárias e não o que quer o povo. Portanto, repare, o que tem levado a União Europeia a esta situação de bola ao centro, em que não vai para a frente nem para trás? Nem têm coragem de ir para o federalismo, que para mim era a solução tanto para a União Europeia como para o país. E não me venham dizer que Portugal é demasiado pequeno para isso, porque a Suíça é mais pequena mas é federal. Todos nos sentiríamos mais portugueses. O federalismo permitiria definir quais os poderes das regiões e quais os poderes do Estado.

Uma solução dessas a nível europeu seria também o fim de qualquer réstia de soberania e de independência do país.
Mas um projeto destes ou volta para o mercado comum, apenas, ou então se querem de facto construir uma coisa nova – e eu sou federalista europeu e acho que isto tem pernas para se construir algo de novo – tem de haver um passo em frente. E porque é que não avança? Sabe, fui durante três anos membro da direção do Partido Popular Europeu. E concluo isto: a certa altura, em vez de se deixar avançar a Europa para o federalismo começou-se, a pretexto da crise, a tentar fazer recuar as regiões e a dar poder aos Estados. Ora, não podemos ter uma União Europeia nova com base nos conceitos de soberania antigos. A própria coesão social tem de ser igual [em toda a Europa].

A União Bancária que está em curso já vai nesse sentido.
É pouco. Temos de ter um sistema social para toda a Europa. Sei que me vai dizer: os suecos dizem que não querem pagar para apoiar os do sul. Então mais vale acabar com a União Europeia. Se não existe solidariedade entre o Norte e o Sul, então isto é uma fantasia e estamos aqui a enganarmo-nos uns aos outros. Tem de haver fiscalidade comum, harmonização fiscal e tesouro europeu. Sou a favor disso tudo.

A saída do Reino Unido da União Europeia vai ajudar a reforçar a União?
Acho que a Inglaterra vai-nos passar o trapo. Embora o ministro das Finanças inglês diga o contrário, eles preparam-se para fazer um regime fiscal concorrente ao europeu, em que as empresas em vez de saírem da Inglaterra para a Europa vão sair da Europa para a Inglaterra. Aliás, já têm isso nas Ilhas do Canal.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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