No passado mês de outubro entraram por fim em vigor as tão ansiadas (para alguns) alterações ao Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (“RJAL”).

Fruto de um livro de reclamações bem publicitado, o alojamento local foi o culpado mais inocente. Do aumento do turismo e da, consequente, escassez da oferta para habitação; da subida acentuada de rendas (e preços de aquisição); dos conflitos nas relações de vizinhança e de condomínio; da descaracterização dos bairros; e, até, do abandono das suas gentes. E as alterações que agora entraram em vigor, são a cura de todos estes males?

Em traços gerais, as principais alterações podem ser resumidas ao reforço das competências das Câmaras Municipais e dos condomínios, à densificação dos requisitos que deverão ser preenchidos para exploração dos estabelecimentos de alojamento local, e, bem assim, à criação de uma nova modalidade, o quarto (sito no imóvel que seja domicílio fiscal/residência do locador).

Relativamente às Câmara Municipais, surge como principal novidade a criação das denominadas áreas de contenção, cujo fim último é impedir que o número de habitações destinadas ao arrendamento a turistas ultrapasse determinados limites, pretendendo-se assegurar a preservação da realidade social dos bairros e locais, bem como a garantir um número mínimo de imóveis disponíveis para habitação, tendo as Câmaras Municipais a faculdade de suspender novos registos de alojamento local nestas áreas de contenção.

No caso do Município de Lisboa, foi já lançada a primeira pedra, tendo sido aprovada a suspensão da abertura de novas unidades de alojamento local no centro histórico da cidade, tendo bem assim sido definidas as denominadas “zonas turísticas homogéneas”, as quais serão acompanhadas e monitorizadas pelo município, marcando o início do procedimento de elaboração do Regulamento Municipal do Alojamento Local para o município.

Os condomínios, tradicionais fóruns de salutar convivência dos condóminos, ganham novas competências para discórdia. Prevê-se agora que por decisão de mais de metade da permilagem do edifício, que tenha por fundamento a prática reiterada de atos que causem incómodo e afetem o descanso, poderá ser deliberada a impossibilidade de exploração como alojamento local de uma fração até um ano. Mais ainda, a instalação de um estabelecimento de alojamento local de modalidade estabelecimento de hospedagem (hostel), em prédios em que coexista habitação, dependerá da autorização dos demais condóminos.

Sob fundamento da utilização acrescida das partes comuns pelos utilizadores dos estabelecimentos de alojamento local, prevê-se agora uma contribuição acrescida para o condomínio pelo titular da exploração, face os demais condóminos. Prevê-se ainda a obrigatoriedade de contratar uma apólice de seguro multirriscos de responsabilidade civil, prevendo-se a responsabilidade solidária do explorador com os seus hóspedes. Em acréscimo, prevê-se ainda a obrigatoriedade de dispor de um livro de informações e regulamento, multilingue.

Recordamos que o Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (“RJET”), aprovado em 2008, bem como o RJAL, aprovado em 2014, procuraram enquadrar a figura do alojamento local, por forma a combater a oferta de serviços de alojamento à margem da lei, sem prejuízo da preocupação inicial do RJET em enquadrar figuras que não preenchiam os requisitos de empreendimentos turísticos (i.e. pensões, motéis, albergarias, estalagens, etc.).

A simplicidade inicial do regime tem-se perdido a pouco e pouco, ficando por determinar se as presentes medidas irão alcançar os pretendidos efeitos de contenção da exploração de imóveis para fins turísticos, com estrita observância dos novos requisitos, ou se terão apenas sido lançados os alicerces para um regresso ao passado com exploração à margem da lei. Vire-se então a página do livro de reclamações e aguardemos pelas novidades.