Há portugueses de referência nos EUA à frente de trabalhos admiráveis e importantes no contexto da economia dos ecossistemas auto-executáveis. Tiveram de o fazer a partir do outro lado do Atlântico devido à dimensão do mercado e ao capital disponível. Além disso, em países da Common Law, o ambiente regulatório tem provado ser particularmente dinâmico.

Estou então a referir-me ao Diogo Mónica da Anchorage e à dupla Jorge Pereira e Paulo Jacinto Rodrigues da Public Mint. As suas propostas de valor são diferentes, mas ambas na mesma direcção: adicionar as vantagens da auto-execução ecossistémica à economia, respeitando integralmente a regulação vigente. Mas porque são tão interessantes?

A Anchorage providencia a salvaguarda de criptoactivos com a segurança mais avançada alguma vez desenvolvida, e tem a vantagem de possuir licença bancária nos EUA. Assim, com a Anchorage, qualquer instituição financeira pode incorporar investimentos em criptoactivos na sua oferta, podendo vir a estender-se a qualquer outro tipo de operação. Portanto, a vantagem proporcionada pela Anchorage é a utilização das tecnologias auto-executáveis, leia-se blockchain, para oferecer novos serviços baseados em criptoactivos.

Por exemplo, foi assim que a VISA fez a sua primeira operação de liquidação (settlement) com uma stablecoin, usando a blockchain pública Ethereum para processar a transacção. Poderia a VISA fazê-lo directamente em Ethereum? A resposta é não, pois não haveria regulação que o permitisse. Porém, o suporte da Anchorage proporciona a última peça do puzzle, pois a licença bancária desta última permite adicionar criptoactivos aos processos financeiros já licenciados actualmente.

Assim, e neste caso, a execução de uma transacção numa Blockchain, seja Ethereum ou outra, do ponto de vista da regulação, não passa de uma programação semelhante à que os computadores das instituições financeiras já fazem. Desde que haja custódia para os direitos associados ao repositório de valor, consegue-se cumprir com facilidade a regulação actual e a lei, o que é exactamente o que a Anchorage permite.

Além disso, a Anchorage está obrigada a fazer as verificações de proveniência de fundos e a identificar os detentores dos criptoactivos, tal como qualquer outro banco. A diferença está na forma como a informação e os direitos são registados, pois são usadas Blockchains. Esta jogada da VISA, com liquidação em criptoactivos suportados pela Anchorage deve estar a provocar calafrios à Ripple, entre outros.

Já a Public Mint trabalha exclusivamente com dinheiro fiduciário sobre a tecnologia blockchain, e a sua proposta de valor é a transferência de titularidade em tempo-real e a programação desse dinheiro. Nesta fase inicial, estamos a falar apenas de USD, mas o Euro, e dezenas de outras moedas, estão prometidos para breve. A Public Mint oferece, portanto, a auto-execução de direitos com dinheiro fiduciário. É uma solução engenhosa, pois o dinheiro fiduciário em formato electrónico tradicional (ou seja, fora da Blockchain) estará sempre na custódia de uma qualquer entidade bancária, ganhando vida na sua representação da Blockchain da Public Mint, o que faz toda a diferença.

Na verdade, é uma espécie de ovo de colombo, pois, neste caso, não se cria nenhuma massa monetária alternativa e nem sequer se pode considerar que esta cripto-representação do USD seja uma stablecoin, pois é o mesmo USD de sempre a beneficiar das propriedades de auto-execução ecossistémica da Blockchain, ao mesmo tempo que é totalmente colateralizado através de instituições financeiras tradicionais. Simplesmente brilhante.

A Public Mint torna-se assim numa plataforma de gestão de valor para a construção dos mais variados serviços em Blockchain com base na massa monetária USD tradicional. É por isso que não há problemas com a regulação, pois a programação dos direitos segue as mesmas regras que temos hoje nas transacções tradicionais, apenas com uma camada adicional de tecnologia.

Com propostas de valor distintas, a Anchorage e a Public Mint estão a contribuir para a adopção da auto-execução ecossistémica (leia-se, blockchain) pelas economias tradicionais. Com a Anchorage conseguimos colocar a liquidez das criptomoedas ao serviço do sistema financeiro e com a Public Mint conseguimos criar soluções de auto-execução ecossistémica cuja contraparte de valor é reconhecida pelo sistema financeiro, e, portanto, pelo direito actual.

Não obstante, as inovações criadas em torno das criptomoedas tradicionais continuarão separadas da economia actual, pelo facto de uma solução regulatória definitiva ainda não ter sido encontrada, em particular pelas diferenças dos múltiplos ordenamentos jurídicos à escala internacional. É este, portanto, o grande dos reguladores, pois os primeiros a encontrar tais soluções serão os que mais vão beneficiar as suas economias.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.